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O lado livre da internet

A água é transparente...

A transparência sobre dados e processos é uma poderosa ferramenta!

Por CCSL
Atualização:
 Foto: Estadão

Por Alfredo Goldman e Nelson Lago*

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..., inodora e insípida. Foi assim que eu aprendi como era a água na escola. Naturalmente, ao longo do último ano, descobri que não era bem assim: água tem cheiro e tem gosto. Sobre ser transparente, aí sim, isso é verdade, ou melhor: deveria ser :)

A situação que estamos passando em São Paulo é drástica, isso nós já sabemos. O que não poderia estar acontecendo é termos a confirmação disso só agora. Por exemplo, apenas esses dias a SABESP começou a informar em quais horários há redução da pressão nas diversas regiões afetadas. Se nos lembrarmos das declarações oficiais anteriores, vamos nos recordar de informações como ajustes técnicos ou melhoras no sistema de distribuição com pressão compatível, entre outras.

Isso me lembra uma expressão bastante famosa: "não adianta tapar o sol com a peneira". Claro que teria sido muito melhor que o governo e a SABESP tivessem informado a população desde o início. Nada contra a torcida para que chova nos lugares certos e que tudo volte ao normal, mas ainda prefiro fatos, dados e prevenção. Com certeza, se o racionamento tivesse sido adotado há seis meses, a situação hoje seria um pouco melhor. Se Nova Iorque pode parar ontem devido à neve, por que São Paulo não poderia ter um racionamento preventivo?

Gostaria de reforçar o aspecto apolítico deste texto destacando outros exemplos de erros similares. O primeiro é a queda da antiga União Soviética, que aconteceu mesmo com o governo mascarando dados; em algum momento, não dá mais para esconder. O segundo exemplo é o do atual governo federal, onde há um problema semelhante ao de São Paulo. Boa parte da base do sistema energético brasileiro é hidrelétrico, que depende de enormes reservatórios. Da mesma forma que a SABESP poderia (e deveria) ter feito um racionamento de água preventivo, o governo federal poderia (e deveria) ter se preparado para uma diminuição na produção de energia. Mais uma vez, não adianta esconder: já aconteceram apagões e novas faltas de energia elétrica podem ainda acontecer. E, mais uma vez, não houve planejamento, mas não dá para apenas esperar que chova no lugar certo.

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Opa, e qual a relação de tudo isso com software livre? Para mim é clara: transparência. É preciso mostrar os dados de forma clara de forma a enfrentar as situações de forma planejada. Não adianta agora contar com a dança da chuva.

Naturalmente, os dados técnicos relativos à quantidade de água nas represas e reservatórios, assim como sobre seus desdobramentos, não são de entendimento completamente trivial. No entanto, o que vemos no mundo do Software Livre é que a transparência induz à criação de comunidades de pessoas capazes que conhecem cada programa e o analisam, oferecendo um grande nível de tranquilidade aos usuários em relação à qualidade e segurança desses programas. Essa transparência envolve não apenas a disponibilidade do código-fonte, mas também a abertura sobre todo o processo de desenvolvimento: listas de discussão abertas e com histórico disponível, sistemas de cadastro e gerência de falhas mantidos publicamente etc.

A atuação de governos e empresas envolvendo serviços essenciais, como o fornecimento de água, deveria se inspirar nesse modelo tanto para cumprir seu dever de informar quanto para empenhar mais ativamente a população nas ações necessárias em nível coletivo. A transparência é o primeiro passo para a criação de comunidades envolvidas com a gestão dos mais variados aspectos da vida pública. Os esforços que têm sido feitos nos últimos anos para incentivar a oferta de dados abertos por parte do governo, bem como a promoção de hackatons para o ensejo à construção de comunidades envolvidas com o trabalho em torno desses dados, são uma parte importante, mas não a única, desse processo. Governos e concessionárias devem também aprender com o Software Livre sobre novos modelos de gestão que permitam um funcionamento com mais transparência e participação externa. E, de outro lado, é papel da população exigir cada vez mais que eles o façam.

*Alfredo Goldman é Professor de Ciência da Computação no IME/USP e diretor do CCSL-IME/USP; Nelson Lago é gerente técnico do CCSL-IME/USP

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