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O lado livre da internet

As várias faces do Software Livre

Software Livre é ativismo ou negócio? Os dois!

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Por CCSL
Atualização:
 Foto: Estadão

Por Nelson Lago*

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Depois do post da semana retrasada, recebemos uma mensagem que trazia à discussão o papel das empresas na comunidade de Software Livre e achamos interessante falar mais sobre o assunto. E, para isso, é importante relembrar um pouco a história do Software Livre.

Embora já existisse informalmente há muito tempo, o Software Livre "nasceu" formalmente em 1983, quando Richard Stallman criou uma definição do que é Software Livre e apontou as razões pelas quais ele é importante. Com isso e a criação da Free Software Foundation, surgiu um movimento social preocupado com os diversos aspectos éticos relacionados ao software. Nessa época, graças à grande disseminação dos computadores pessoais ao longo dos anos 80 e 90, o mercado de software restrito estava indo de vento em popa e, justamente por isso, não dava muita atenção ao Software Livre (salvo algumas exceções), considerando o movimento "idealista" e afastado da "realidade comercial" da computação.

No entanto, essa situação foi se transformando gradativamente, por diversas razões, e o crescimento do Software Livre junto ao mercado trouxe um grande ímpeto ao movimento, com vários novos desenvolvedores e usuários. Isso, por sua vez, aumentou a quantidade e a qualidade dos programas livres disponíveis, bem como a oferta de profissionais capacitados para oferecer serviços de consultoria, implantação etc. para esses programas. Esses "novatos", no entanto, estavam mais interessados nas vantagens comerciais do Software Livre que começavam a se tornar mais claras: ao longo dos anos 90 e 2000, era comum haver matérias jornalísticas sobre a "descoberta" de que era possível ganhar dinheiro com software livre, discussões sobre modelos de negócios ou comparações com o modelo fechado de software.

Com esses diferentes pontos de vista, não é de se estranhar que existam divergências dentro da comunidade. Temos, de um lado, profissionais e empresas, que geralmente valorizam os aspectos de negócio do Software Livre: não há custos de licenças, o código pode ser facilmente auditado etc. De outro, temos os ativistas, que geralmente frisam as questões relativas à liberdade: o acesso ao conhecimento compartilhado, as garantias de privacidade etc. Ambos pontos de vista são válidos, mas o grupo dos que dirigem seu interesse nos negócios considera que o discurso dos ativistas não "soa profissional" e atrapalha a imagem dos seus produtos. Os ativistas, por sua vez, afirmam que promover o Software Livre sem valorizar o viés ético esvazia a razão de ser do movimento, pois parte do papel de apresentar o Software Livre aos usuários é levá-los a enxergar também o componente social do software.

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Essa questão de imagem culminou na criação do termo "Open Source" em inglês para designar esse movimento focado na profissionalização do Software Livre. Essa nova expressão foi criada para eliminar a ambiguidade contida de "Free Sofware", que tanto pode significar "Software Livre" quanto "software gratuito", mas também para desvincular o Software Livre da imagem dos ativistas da Free Software Foundation. Esses ativistas, no entanto, ainda preferem a expressão "Free Sofware", que carrega no nome a ideia de liberdade, e hoje esses dois grupos podem ser identificados pelo uso desta ou daquela expressão em inglês (em português, a nomenclatura é bem mais simples, pois "Software Livre" não tem nenhuma ambiguidade).

Essa dicotomia também se reflete em alguns aspectos práticos. O movimento Open Source em geral vê com simpatia a adoção de modelos híbridos, onde parte do software é livre e outra parte não, enquanto o movimento pelo Software Livre  costuma tratar qualquer software não-livre com desdém e critica abertamente modelos de negócio baseados nessa "liberdade parcial". Também não é raro que empresas desenvolvam projetos "livres" sem qualquer interação com a comunidade externa à empresa ou interagindo de forma inadequada com essa comunidade. Projetos e empresas desse tipo são muitas vezes criticados por não serem "software livre de verdade" pelos ativistas, e mesmo o mero interesse comercial é às vezes objeto de críticas.

Será que existe um lado certo nesse conflito? A importância social do Software hoje e no futuro é inegável e, portanto, o papel do Software Livre nesse contexto não pode ser menosprezado. Além disso, o Software Livre se disseminou e se tornou um elemento importante na computação graças ao empenho dos ativistas, tanto no início do movimento quanto até hoje. Ao mesmo tempo, não se pode ignorar a contribuição das empresas que colaboram continuamente para a evolução de inúmeros programas e para a sua adoção em cada vez mais ampla escala, alcançando mercados como o dos dispositivos móveis que provavelmente seriam inatingíveis sem esse apoio.

A despeito desses aspectos complementares, pessoalmente me identifico com o movimento pelo Software Livre e considero que, para além desse relato equilibrado que apresentei, há duas questões importantes: em primeiro lugar, existem de fato empresas cujo envolvimento com Software Livre tem valor questionável, pois oferecem produtos "livres" que, no entanto, têm muito pouca utilidade sem os adicionais não-livres fornecidos pela empresa. Essas empresas não adotaram de fato o modelo livre, mas apenas usam o conceito como ferramenta de marketing. Em segundo, a tolerância com componentes não-livres tem se estendido justamente na direção de minimizar as qualidades libertárias do Software Livre: módulos de "controle de acesso" a conteúdo, controladores de dispositivos como placas de rede ou de vídeo que podem coletar e enviar dados sigilosos para terceiros e possivelmente outros que ainda hão de surgir.

Talvez seja a hora de o "mercado", na figura do consumidor, passar a exigir mais empenho das empresas também no tocante às questões éticas do Software. Ou em geral!

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* Nelson Lago é gerente técnico do CCSL-IME/USP

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