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O lado livre da internet

Boa saúde não deveria ser segredo para ninguém

Obscurantismo e saúde não combinam

Por Nelson Lago
Atualização:
FOTO: Liz Henry  Foto: Estadão

Saúde é um assunto delicado. É sem dúvida reconfortante, em caso de dor de cabeça, poder recorrer a um analgésico que de maneira quase mágica resolve nosso desconforto. No entanto, é importante lembrar que não há mágica na medicina: trata-se de uma ciência imperfeita, com muitas lacunas de conhecimento e conduzida por pessoas como quaisquer outras. E a ciência, como se sabe, deve ser feita de maneira aberta e transparente. O mesmo vale para tratamentos médicos: apenas curandeiros inescrupulosos e charlatões mantém seus "pacientes" sob seu domínio através da aura de mistério e dos segredos iniciáticos.

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No entanto, o que vemos hoje na medicina muitas vezes não se enquadra nesse padrão de abertura. É o caso, por exemplo, de pacientes que possuem implantes médicos eletrônicos. Esses dispositivos muitas vezes possuem software sofisticado e são capazes de coletar dados sobre o paciente e disponibilizá-los (às vezes automaticamente, via comunicação sem fio) para o fabricante do dispositivo. Tanto os dados coletados quanto o software em execução nesses dispositivos, no entanto, são secretos para o paciente: os dados são acessíveis apenas para o médico responsável e o software, nem isso. O acesso a esses dados poderia ser útil para que o paciente identifique padrões de comportamento que disparam problemas na sua saúde, mas isso não é levado em conta. Mais que isso, a legislação americana (DMCA) proíbe qualquer tentativa por parte do paciente de tentar obter acesso a esses dados por meios técnicos. É interessante saber, portanto, que um pequeno grupo conseguiu modificar a regulamentação dessa lei, eliminando temporariamente o problema, mas as dificuldades continuam.

No Red Hat Summit, em julho deste ano, aconteceu a estreia do documentário The Open Patient("o paciente aberto"), uma produção da própria Red Hat. Nele, acompanhamos a trajetória e os percalços de dois pacientes com tumores cancerosos no cérebro em busca do conhecimento e compartilhamento de dados referentes às suas doenças: para além do seu próprio acesso, ambos estão interessados no potencial científico e social do compartilhamento irrestrito desses dados. O filme ainda apresenta o movimento Open Notes ("notas abertas"), que incentiva os profissionais de saúde a compartilharem suas notas e ideias a respeito dos pacientes com eles, incluindo-os na discussão sobre as diversas alternativas de tratamento, suas vantagens e desvantagens. Embora trate-se de procedimento bastante atípico na comunidade médica, após o experimento inicial, que durou doze meses, nenhum dos médicos participantes optou por voltar a trabalhar como faziam antes. O filme é parte de uma série chamada Open Source Stories, que pretende demonstrar como o novo paradigma de compartilhamento do conhecimento pode se estender para muitas áreas além do software.

É comum ouvirmos o bordão "vivemos na sociedade da informação". No entanto, o segredo como método, a desconfiança no conhecimento e os mecanismos de poder baseados na manipulação e controle da informação continuam fortemente arraigados no nosso pensamento. De táticas comerciais a ideias de produtos, de dados sobre os mais diversos temas a experiências pessoais, a regra geral ainda é privilegiar o segredo e não o compartilhamento. Se queremos verdadeiramente criar um ambiente propício à ciência e à cultura, precisamos nos desvencilhar dessas posturas obscurantistas que ainda permanecem em tantos aspectos da nossa sociedade.

* Nelson Lago é gerente técnico do CCSL-IME/USP

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