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O lado livre da internet

Combatendo seus próprios demônios

Nem tudo é lindo no mundo do Software Livre

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Por Nelson Lago
Atualização:
FOTO: Marcus Vinicius  Foto: Estadão

Todos já sabem: a computação e o software estão ganhando um espaço cada vez maior na sociedade e isso, por sua vez, realça o papel do software livre na definição de uma sociedade que promova a disseminação do conhecimento e a cidadania. Mas nem tudo é lindo no mundo do Software Livre.

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Em primeiro lugar, existe um desequilíbrio de gênero muito grande na comunidade. Nas grandes empresas de tecnologia, estima-se que as mulheres ocupam menos de 20% dos cargos técnicos, e esse número é ainda menor nos níveis mais altos. Na comunidade de software livre, no entanto, as estimativas variam entre 6% e 11%; algumas estimativas dos anos 2000 sugeriam cerca de 2% de participação feminina no software livre em geral. Essa diferença entre a indústria e a comunidade aponta claramente para problemas específicos dessa comunidade no tocante às mulheres. Um desses problemas foi quantificado em uma pesquisa recente que demonstrou que, em projetos de software livre, as contribuições femininas são aceitas mais facilmente que as masculinas... desde que seu gênero não seja conhecido! Quando o gênero é conhecido, a diferença desaparece, ou seja, há maior resistência a incorporar código desenvolvido por mulheres (e sequer há dados sobre mulheres trans etc.). Esse dado estatístico comprova as várias evidências informais sobre a misoginia da comunidade.

Em segundo lugar, há a competitividade. Diferentemente do que se pode pensar ingenuamente, muitos programadores participam de projetos de software livre não apenas por razões altruístas, mas também porque buscam criar uma boa reputação para si mesmos, o que se reflete positivamente em suas carreiras profissionais. Isso dá origem à competição entre os desenvolvedores, o que certamente traz benefícios para a qualidade do software mas, ao mesmo tempo, pode causar rupturas na comunidade. Além disso, gera-se uma disparidade de oportunidades entre aqueles que efetivamente trabalham em um projeto livre (e que, portanto, poderão mostrar um "currículo" melhor ao mudarem de emprego) e os que não e que, portanto, têm menos tempo disponível para dedicar a projetos livres.

Em terceiro, há a exclusão. Se os desenvolvedores mais experientes e com mais tempo disponível para o software livre ganham reputação com suas contribuições, de outro lado sabe-se que o ingresso de novos membros em projetos livres de desenvolvimento é um processo penoso. Não é à toa que existem projetos de pesquisa e diversas iniciativas que procuram entender essas barreiras e procuram auxiliar os novatos nesse processo (como pode ser visto no artigo "Deixem-me Ajudar!" da Revista Computação Brasil). Num país como o Brasil, em que questões como acesso à Internet e conhecimento mínimo de ferramentas computacionais ainda são um problema significativo, a "inclusão digital" de desenvolvedores brasileiros no software livre é um desafio (embora já haja vários desenvolvedores de software livre brasileiros).

Nada disso é surpreendente; a comunidade de software livre é um pedaço da comunidade em geral, e reflete em seu interior o que acontece em seu exterior. Mas também é verdade que os valores de cooperação, que são muito fortes no software livre, podem também influenciar a sociedade como um todo. É por isso que, apesar de suas contradições, o software livre é tão importante.

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* Nelson Lago é gerente técnico do CCSL-IME/USP

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