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O lado livre da internet

De quem são essas coordenadas?

Faz diferença se algo é "real" ou "virtual"?

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Por Nelson Lago
Atualização:
FOTO: Peretz Partensky  Foto: Estadão

Menos de um mês atrás, foi lançado em diversos lugares do mundo o jogo Pokémon Go, que funciona em smartphones e incentiva os jogadores a perambular pelo mundo (real) em busca de monstros (virtuais), os Pokémon. O jogo tem tido sucesso estrondoso e já foi baixado mais de 100 milhões de vezes desde o lançamento, o que chegou a promover uma valorização temporária de mais de 100% no valor das ações da Nintendo. A "febre" em torno do jogo, por sua vez, deu origem tanto a piadas quanto a indignação a respeito de seus jogadores, mesmo no Brasil, onde o jogo ainda não foi oficialmente lançado.

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O mais recente efeito desse sucesso, no entanto, apareceu na forma de um processo judicial nos EUA. Jeffrey Marder está processando as empresas responsáveis pelo jogo (Niantic Inc., The Pokémon Company e Nintendo Co. Ltd.) porque, segundo ele, diversos Pokéstops e Pokémon gyms do jogo foram colocados em coordenadas dentro ou adjacentes a propriedades privadas sem o consentimento de seus proprietários. O resultado foi a visita de ao menos cinco desconhecidos à sua casa em busca de capturar um dos simpáticos (?) Pokémon. Marder ainda afirma que a situação se repete com diversas outras pessoas e, por isso, iniciou a ação como uma ação coletiva "em nome de todos os demais em situação similar". De fato, há relatos de movimentação de grande número de jogadores em um cemitério e no Museu do Holocausto em Washington. Para ele, isso resulta em uma invasão sobre o uso do terreno dos proprietários por parte das empresas, que auferem lucros com o jogo, e as responsabiliza por essa invasão.

Pode-se argumentar que o resultado das ações dos jogadores não pode ser imputado aos criadores do jogo e que, portanto, Marder deveria ter processado aqueles que o importunaram diretamente. As próprias regras do Pokémon Go sugerem que "se você não tem acesso a um Pokéstop porque ele está em uma propriedade privada, haverá outros bem pertinho, então não se preocupe!". De outro lado, essa mesma frase indica que as empresas tinham consciência do potencial do jogo em causar problemas desse tipo e que, portanto, optaram por não tomar qualquer ação para evitá-los.

Alguns anos atrás, viu-se algo semelhante por conta das redes de compartilhamento de conteúdo como Gnutella, eDonkey, Kazaa, BitTorrent etc. Nessas redes, os usuários compartilham arquivos uns com os outros, sem utilizar diretamente os servidores das empresas criadoras dessas redes. Dado o grande volume de material sujeito a copyright compartilhado dessa forma, gravadoras e estúdios cinematográficos processaram as empresas responsáveis, mas com pouco sucesso; passaram, então, a processar diretamente os usuários envolvidos no compartilhamento de conteúdo comprovadamente protegido. Ainda assim, várias dessas empresas foram forçadas a suspender suas atividades e os criadores do PirateBay foram condenados à prisão.

É difícil prever qual vai ser o resultado desse processo; no entanto, ele é mais uma amostra do que está por vir. Cada vez mais, o mundo "virtual" e o "real" estão se fundindo em um só; cada vez mais, a vida em sociedade é mediada pela tecnologia digital; cada vez mais, as atividades online têm reflexos no mundo "real". As implicações práticas e sociais dessa nova realidade passam por princípios morais que devem ser pensados e repensados por todos. Afinal, quem é o dono de um par de coordenadas?

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* Nelson Lago é gerente técnico do CCSL-IME/USP

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