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O lado livre da internet

Dilma, eu e você

Responsabilidade e cidadania também passam pela tecnologia.

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Por CCSL
Atualização:
 Foto: Estadão

Por Nelson Lago*

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No tênue equilíbrio entre a garantia às liberdades individuais e o combate à ilegalidade, a tecnologia (como armas ou fechaduras) acaba sendo um elemento decisivo. Hoje em dia, o fator tecnológico que tem sido alvo de grande atenção por parte de diversos grupos é a criptografia, ou seja, as técnicas pelas quais dados e conversas (escritas ou faladas) são codificados de maneira a impedir que sejam interceptados ou adulterados por terceiros. E ela é importante justamente porque pode modificar significativamente esse equilíbrio. Não é à toa que ferramentas criptográficas eram sujeitas a restrições de exportação pelos EUA por razões de segurança nacional até perto do ano 2000.

De um lado, a criptografia pode dificultar bastante o trabalho de coleta de provas das autoridades policiais. Documentos contábeis apontando irregularidades, planos de ação paramilitar, comunicações estabelecendo ações criminosas e muitos outros elementos importantes no combate ao crime podem tornar-se inacessíveis à justiça se corretamente criptografados. De outro, o uso da automação possibilitada pela tecnologia para coletar e armazenar volumes enormes de dados sobre todos os cidadãos, independentemente de razão prévia ou mesmo de autorização judicial, é uma realidade que afronta gravemente o direito à privacidade. O que está em jogo, portanto, é o equilíbrio entre o direito individual e o interesse público.

É importante lembrar que nenhum sistema criptográfico é perfeito. É possível contornar ou quebrar a criptografia de várias maneiras, como através da "força bruta" (com um programa que testa todas as chaves possíveis, num processo que pode demorar vários meses), interceptando o dado ou a conversa antes que eles sejam criptografados (por exemplo, com um programa secreto instalado no celular) ou mesmo através de informantes e espiões. Há, inclusive, países que permitem ao judiciário emitir mandado obrigando o cidadão a informar a chave criptográfica usada ("senha") às autoridades. O que deve ser frisado aqui é que a criptografia não impede a ação da polícia, mas essas dificuldades adicionais podem minimizar os possíveis abusos que têm sido viabilizados pelo avanço tecnológico. É certo que esse assunto ainda deverá ser muito discutido no campo da justiça, mas a tecnologia também tem seu papel no debate.

O que nos leva à presidenta Dilma, que recentemente realizou uma ligação telefônica que foi interceptada e divulgada. À parte o conteúdo da conversa, vale o que disse Edward Snowden sobre o assunto: 3 anos após as denúncias de espionagem internacional sobre a presidenta, Dilma ainda realiza ligações sem qualquer tipo de criptografia. Muitos se perguntaram como isso é possível, mas não é nada surpreendente: usuários de whatsapp, email, facebook e telefones celulares, muitos deles cientes das revelações de Snowden, rotineiramente se comunicam sem qualquer forma eficaz de criptografia, muito embora haja soluções livres e gratuitas disponíveis.

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Pode-se dizer que o  problema é que as ferramentas comuns não utilizam criptografia automaticamente; o usuário precisa tomar passos para garantir seu uso. O problema real, no entanto, é que no fim das contas os usuários apenas não estão preocupados com o assunto; caminhamos com plena consciência e aceitação para este estado de coisas. É uma constatação simples mas, se trocarmos a palavra "usuário" por "cidadão", muito preocupante.

* Nelson Lago é gerente técnico do CCSL-IME/USP

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