Foto do(a) blog

O lado livre da internet

A fragilidade (de sempre) da política de software livre no Governo Federal

Os problemas da TI no governo vão além da frágil política de software livre

PUBLICIDADE

Por CCSL
Atualização:
FOTO: David Santaolalla  Foto: Estadão

Por Paulo Meirelles, com colaboração de Alexandre Gomes*

PUBLICIDADE

"Falhamos a vida, menino! Creio que sim... Mas todo o mundo mais ou menos a falha. Isto é, falha-se sempre na realidade aquela vida que se planeou com a imaginação. Diz-se: 'vou ser assim, porque a beleza está em ser assim'. E nunca se é assim, é-se invariavelmente assado, como dizia o pobre marquês. Às vezes melhor, mas sempre diferente."

Recorremos a Eça de Queiroz para tentar explicar o sentimento da comunidade de software livre frente ao anúncio do Governo Federal de ampliação de registro de preços de produtos Microsoft. Talvez seja um bom momento mesmo de auto-crítica de quem entende o software livre como um modelo de negócio, como um mecanismo de rica produção técnica ou mesmo para quem o defende do ponto de vista filosófico e ético.

Em sua análise, o site Convergência Digital declara que "o software livre tem data marcada para morrer no Governo: 11 de novembro de 2016". Triste profecia, mas o fato é que o software livre agoniza já há algum tempo, como se respirasse com o auxílio de aparelhos, em especial desde 2015. Arriscamos-nos a dizer que só tivemos de fato uma política para o software livre e um trabalho de base no governo com resultados expressivos enquanto Sérgio Amadeu esteve na presidência do ITI (Instituto Nacional de Tecnologia da Informação). Pedimos desculpas aos demais atores e defensores do software livre que estão/estavam no Governo: vocês devem se questionar se estão/estavam defendendo o software livre pelos motivos "certos" e se suas contribuições foram além das milhares de reuniões que devem ter feito ao longo desses anos.

De toda forma, tanto aqueles que colaboram de fato com projetos de software livre quanto aqueles que o defendem/defenderam para seus próprios ganhos políticos não têm relação alguma com isso. Deve-se entender que esse movimento contrário ao software livre ocorre, desde sempre, de baixo para cima, por uma simples incompatibilidade de mindsets.

Publicidade

Em síntese, a seleção dos Analistas de Tecnologia da Informação (ATIs) dos órgãos do Governo se dá orientada por práticas, princípios e valores incompatíveis à dinâmica empírica, descentralizada e colaborativa do software livre. No geral, a porta de entrada para esses servidores são concursos que cobram modelos e processos de desenvolvimento de software que são opostos aos que fazem o software livre ser o que é. Não vamos entrar em detalhes sobre o que pensamos sobre PMBOK, CMMI e RUP, por exemplo, mas apenas queremos que o leitor entenda que isso tudo é o oposto do mecanismo colaborativo e descentralizado típico do desenvolvimento de software livre (e também dos métodos ágeis, ou seja, dos métodos empíricos de desenvolvimento de software). Em outras palavras, as pessoas na área de TI são contratadas e condicionadas para "rezarem uma cartilha" específica. Como podemos querer que essas pessoas entendam e queiram trabalhar com software livre no Governo? Essa e outras questões, como as contratações de fábricas de software e outros pontos nesse contexto, ficarão para um outro texto.

Neste post, mesmo achando essa intenção de registro de preços anunciada pelo Governo bem duvidosa, queremos dar a oportunidade de ouvirmos a outra parte: o Governo. Isso porque o Governo, teoricamente, não mudou nada, mas apenas "por acaso" resolveu comprar produtos Microsoft e iniciar também um acordo com a empresa na área de segurança -- mas não há dúvidas que são pontos relacionados. Solicitamos um comentário da Secretaria de Tecnologia da Informação do Ministério do Planejamento sobre a matéria supracitada e recebemos a seguinte resposta (na íntegra):

"Não há uma mudança na política pública de uso de software livre ou público. O projeto de contratação conjunta de software não visa interferir nesta estratégia. O Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão (MP) realiza desde 2008 aquisições de Tecnologia da Informação por meio de aquisições conjuntas, que geram economia para os cofres públicos. O processo para esta aquisição começou em maio de 2015, quando o ministério fez uma pesquisa com mais de 200 órgãos federais para verificar a necessidade de aquisição de soluções com licenciamento. Destes 48 órgãos responderam, sendo que 20 incluíram necessidades para produtos da Microsoft. Vale ressaltar que esta compra conjunta é para atualização e ampliação das licenças já existentes e não para substituição de softwares livres. Lembrando que para participar da aquisição conjunta, os órgãos ainda deverão justificar a necessidade, que será avaliada por técnicos da Secretaria de Tecnologia da Informação (STI). Vale ainda esclarecer que uma Ata de Registro de Preço não oficializa uma compra. Ela registra a necessidade dos órgãos e garante ainda um menor preço por se tratar de uma compra conjunta. É importante dizer ainda que o software livre continua sendo a primeira opção a ser considerada pela administração pública. Essa exigência é trazida com força normativa pelo principal instrumento de contratação de TI do Governo Federal, a Instrução Normativa nº 4, de 2014. A norma estabelece que a avaliação das soluções disponíveis deve ser iniciada por estudo da viabilidade do uso de software público e/ou livre. [trecho removido a pedido do MP] Inclusive, foi publicada, em 4 de outubro (de 2016), a Portaria nº 46, que reforça a importância da política voltada para software livre, pois todos os softwares desenvolvidos por órgãos públicos deverão ser disponibilizados no Portal do Software Público. Além disso, incentivamos o compartilhamento de soluções a partir do Catálogo de Software do Sistema de Administração dos Recursos de Tecnologia da Informação, o SISP. Esse catálogo foi oficializado com a publicação da Portaria nº 48, também de 4 de outubro (de 2016)."

Consistente? Esquizofrênico? Ou só a fragilidade de sempre quanto à tal "política de uso de software livre"? Vamos deixá-los pensando um pouco e aguardar uma rodada de feedback de vocês, leitores. No próximo texto, compartilharemos a nossa interpretação desse comentário/resposta da assessoria de comunicação da STI/MP.

* Paulo Meirelles é professor do bacharelado em engenharia de software da UnB; Alexandre Gomes é membro do Instituto Alecrim

Publicidade

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.