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O lado livre da internet

Mais uma vez na USP

Direitos? Sim! Liberdade? Sim! Mas para todos!

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Por CCSL
Atualização:
 Foto: Estadão

Por Alfredo Goldman*

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No início da semana passada comecei a ouvir, aqui no IME (Instituto de Matemática e Estatística da USP), uns primeiros rumores de insatisfação. Com o plano de demissões voluntárias recentemente implantado pela Universidade, houve um desequilíbrio significativo nas creches, o que fez com que não fosse aberta nenhuma vaga nova para esse ano. Fato com certeza preocupante!

Na reunião do Conselho Universitário na terça passada vi algumas pessoas, incluindo umas poucas crianças, em uma manifestação pacífica na entrada da reitoria. Durante a reunião, o problema da creche foi citado algumas vezes nos comunicados dos membros, mostrando mais uma vez a importância do assunto. Ao sair do Conselho, vi que o chão e as paredes da reitoria tinham sido pintados e havia pequenas mãozinhas espalhadas.

No dia seguinte, na minha corrida habitual pela USP, vi funcionários lavando o chão e as paredes, e comecei a ter um sentimento um pouco mais ambíguo com relação ao protesto; será que pintar (suponho que com tinta lavável) é legal? De qualquer forma, ainda considerei o protesto válido.

Na quinta, no meu treino mais longo, cruzei três vezes com um caminhão (suponho que do Sintusp) chamando os companheiros a se preparar para a luta pelos direitos dos trabalhadores. Comentava-se, por exemplo, que não tivemos reajustes nos valores nem do vale refeição nem do vale supermercado. Mais uma reivindicação aparentemente justa.

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Mas é o dia seguinte que nos traz, finalmente, ao meu assunto principal: na sexta houve um bloqueio surpresa do portão principal da USP. Segundo o que li nos jornais, o número de manifestantes foi estimado em 50. O que me impressiona é que o número de pessoas afetadas pela manifestação foi ao menos duas ordens de grandeza maior do que isso: várias crianças que tinham aulas na Escola de Aplicação (que se iniciam às 7h20) perderam o horário de entrada; alguns estudantes chegaram a ficar presos em ônibus por mais de 2 horas; outros, com carro próprio, puderam entrar na USP após um desvio de mais de 30 minutos; minha aula às 8hs só pode começar com 20 minutos de atraso. Enfim, os manifestantes conseguiram o seu objetivo: criar um caos supresa na USP e redondezas.

Sou completamente favorável à liberdade de expressão, ainda mais em se tratando de temas importantes como a supressão de vagas de creche. Por outro lado, também acho difícil justificar a decisão de prejudicar um número enorme de pessoas, principalmente sem nenhum aviso prévio. O equilíbrio entre o interesse particular e o coletivo é sempre delicado e não há regras absolutas, mas no momento em que começamos a afetar outras pessoas (ou muitas outras pessoas) ao lutar por uma causa, quem sabe está na hora de reavaliar algumas posições?

Foi uma situação similar que levou Richard Stallman, em 1983, a decidir-se por criar um novo sistema operacional que fosse completamente livre, dando origem ao projeto GNU, à Free Software Foundation e a todas as suas ramificações posteriores. O software restrito, cada vez mais comum à época, era visto como necessário para financiar o desenvolvimento da computação, e o interesse em obter lucro a partir do trabalho de desenvolvimento era plenamente justificado. No entanto, a maneira com que esse lucro era obtido ia (e ainda vai) frontalmente de encontro com a liberdade dos usuários de software, que eram (e ainda são) em número muito maior.

Hoje sabe-se que é perfeitamente possível ganhar dinheiro com software livre, ou seja, sem impor ao usuário restrições desmedidas à sua liberdade. Embora ainda haja um enorme mercado vivendo com base na restrição e no desrespeito ao usuário, a maré tem mudado ao longo dos últimos vários anos em favor do software livre. Mas essa transformação só foi possível por causa das objeções éticas de Stallman ao status quo: liberdade é essencial, mas tem que ser para todos.

* Alfredo Goldman é Professor de Ciência da Computação no IME/USP e diretor do CCSL-IME/USP

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