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O lado livre da internet

A política e o Software Livre

O governo pode incentivar o software livre e ainda economizar com isso!

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Por Nelson Lago
Atualização:
FOTO: Margareth de Noronha  Foto: Estadão

Como já dissemos muitas vezes aqui, o Software Livre hoje é amplamente usado por pessoas físicas, empresas e governos. Isso é resultado de vários fatores, como a qualidade ou o empenho dos entusiastas em divulgar o modelo livre, mas um fator interessante é o mercado. De um lado, o modelo traz vantagens para os fornecedores de software, que podem se beneficiar de um ecossistema de desenvolvimento colaborando com seu produto; de outro, traz vantagens para seus usuários, que são mais livres para trocar de fornecedor ou personalizar seus sistemas. Assim, o interesse desses dois tipos de agentes tem colaborado com o crescimento dos negócios envolvendo Software Livre: se, no passado, era necessário explicar inúmeras vezes as vantagens comerciais do Software Livre, hoje em dia "Open Source" passou a ser parte do marketing de diversos produtos de software.

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Um agente extremamente importante no mercado e que muitas vezes é esquecido é o governo: devido ao seu tamanho, a escolha do governo por este ou aquele produto pode ter impacto significativo sobre o mercado. Por exemplo, se o governo opta por um determinado fabricante para o fornecimento dos produtos hidráulicos que serão usados na construção de casas populares, esse fabricante pode receber recursos significativos e seus produtos (ou pelo menos suas características, como diâmetro, tipos de rosca etc.) podem passar a ser vistos como padrões a serem utilizados pelos demais consumidores e produtores.

Em muitos casos, o Estado age sem levar esse aspecto em consideração, operando como um consumidor qualquer. No entanto, esse potencial é significativo e pode fazer parte das políticas governamentais. Por exemplo, a lei que regulamenta as licitações no país (8.666/93) considera que, além de selecionarem as propostas mais vantajosas para a administração, as licitações devem promover o desenvolvimento nacional sustentável, e um regulamento adicional detalha esse aspecto. A lei ainda menciona a possibilidade de algumas formas de favorecimento, como a empresas nacionais ou que realizem investimentos em pesquisa e desenvolvimento dentro do país.

Dado esse contexto, é de se imaginar que uma das bandeiras do movimento pelo software livre é a adoção de uma política governamental de favorecimento ao Software Livre que, entre outros, implante a preferência por programas livres quando da realização de licitações. E, de fato, o governo brasileiro sinalizou em diversos momentos nos últimos anos considerar estratégica a opção pelo software livre. Essa posição resultou em estudos e diretrizes sobre o tema e em algumas iniciativas efetivamente normativas, em particular as relacionadas ao Portal do Software Público Brasileiro.

É de se estranhar, portanto, a posição recentemente adotada pela Comissão de Finanças e Tributação da Câmara dos Deputados, que rejeitou proposta que dá preferência para investimentos públicos nos equipamentos de telecomunicações baseados em software livre. A argumentação do relator, de que "o Poder Público deve, nas licitações, assegurar oportunidades iguais a todos os concorrentes", carece de fundamento, já que a exigência desta ou daquela característica não impede a entrada de concorrente algum, a não ser aqueles que não têm a capacidade técnica ou o interesse comercial em atender a proposta nessas condições. Esse princípio só é ferido se a característica exigida for exclusiva, ou seja, protegida por patente ou algo similar, o que não é o caso: embora ninguém seja obrigado a disponibilizar seu software sob licença livre, não há nenhuma dificuldade significativa em fazê-lo. Assim, a exigência de licença livre não implica na impossibilidade de participação de nenhum fornecedor, já que todo fornecedor pode optar por licenciar seu software livremente. Finalmente, vale observar que a proposta sugeria apenas preferência pelo software livre, enfraquecendo mais ainda essa argumentação.

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O relator continua afirmando que "as decisões e as escolhas públicas têm que ser sempre mais vantajosas para a administração pública", ignorando totalmente não apenas o papel do Estado como agente em políticas de desenvolvimento como discutido acima mas também as diversas vantagens comerciais do Software Livre. Ele ainda sugere que a proposta "poderia dar a entender que aos mais pobres deveriam ser destinados os produtos com menor inovação tecnológica" quando, como se sabe, o Software Livre tem dado inúmeras mostras de qualidade e competitividade.

A análise do tema ainda não terminou, pois outras comissões ainda vão analisar o assunto antes de ser tomada uma decisão. No entanto, é uma pena que ainda haja tanta desinformação quanto ao Software Livre no âmbito do governo.

* Nelson Lago é gerente técnico do CCSL-IME/USP

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