Por André Solnik*
Nós, paulistas - mas não só, é importante frisar -, estamos aprendendo na marra que a água é um bem escasso. Se o seu uso for mal administrado, não tem jeito, os reservatórios secam e ponto final. As ideias, por outro lado, não sofrem dessa limitação: quanto mais ideias trocamos, mais ideias temos. Elas só deixam de existir, justamente, se não forem compartilhadas.
Faça um exercício rápido de abstração: imagine um grande reservatório público que guarde, em vez de água, todo o conhecimento acumulado da humanidade. Lá, qualquer um tem a liberdade de copiar, distribuir e modificar o que quiser. Enquanto existirem seres humanos é certo que o nível desse reservatório estará cada vez mais alto.
A ideia pode parecer interessante, mas não se encaixa com a lógica do sistema capitalista. Como transformar algo abundante e de livre circulação em mercadoria? Indo direto ao ponto: como tornar o conhecimento em um negócio rentável? Foi preciso desenvolver mecanismos legais que fizessem dele um bem escasso e que garantissem direitos exclusivos sobre criações humanas. Enfim, foi preciso impor restrições ao uso do reservatório.
O copyright é um desse mecanismos. Virou lei na Inglaterra no começo do século XVIII com o intuito de impedir a reprodução não autorizada de livros e rapidamente se espalhou pelo mundo todo. A justificativa amplamente aceita é a de que ele garante um meio de subsistência ao criador e serve de incentivo para que ele continue produzindo. Razoável, não? Afinal, não parece justo que um escritor morra de fome caso decida viver de sua produção literária.
Na prática, porém, a história é outra. Não é preciso fazer uma pesquisa muito aprofundada para perceber que quem sai ganhando com isso é a indústria cultural. Um dado chama a atenção: na maioria dos países, o copyright é válido por no mínimo cinquenta anos após a morte do autor antes que sua obra caia em domínio público. Defunto precisa de grana pra se sustentar? Defunto cria? Não que se tenha notícia...mas uma coisa é certa: defunto dá lucro.
O esquema de copyright protegeu essa indústria por séculos. Cópias piratas sempre existiram, claro, mas até finais do século passado elas esbarravam em limitações técnicas. Eram necessárias máquinas, tempo e dinheiro. Atualmente, esses obstáculos praticamente inexistem, já que grande parte do conhecimento pode ser digitalizado e reproduzido sem nenhuma perda de qualidade e com custo praticamente zero. Livros, filmes, músicas e fotografias viram bytes, que trafegam pela Internet em velocidades cada vez maiores.
Os gigantes do entretenimento sentiram seu império tremer e declararam guerra. Amparados pelo Estado, fecham redes de compartilhamento, apreendem servidores, processam deus e o mundo. Nas ruas, perseguem, prendem e matam camelôs. Mas o esforço parece ser inútil: novos espaços autônomos e cooperativos brotam a cada segundo na rede e fora dela.
A Internet tem possibilitado algo sonhado desde os tempos da Biblioteca de Alexandria, mas irrealizável há apenas algumas décadas: estamos construindo um grande reservatório cultural, ainda que com boa parte do conteúdo ilegal.
O passo seguinte é abastecer esse reservatório com conteúdo que possa ser livremente utilizado, compartilhado e modificado por qualquer um que acessá-lo. Qualquer criação original já nasce com todos os direitos reservados ao seu criador. Uma cultura livre deve fugir das restrições impostas pelo copyright e adotar licenças livres. Desgarrada de monopólios, destituída da condição de mercadoria, a cultura flui sem travas. É criada, usufruída e transformada pela sociedade: torna-se um bem verdadeiramente comum.
*André Solnik é estudante e ativista do movimento pelo software livre