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A internet no banco dos réus

A Internet pode te dedurar?

Por Dennys Antonialli, Francisco Brito Cruz e Mariana Giorgetti Valente

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Por Francisco Brito Cruz
Atualização:

Na Internet, todo mundo é um pouco "detetive". Para saber um pouco mais sobre a vida de um paquera, a reputação de um profissional como um médico ou arquiteto, a veracidade de uma notícia ou a qualidade de um produto ou serviço, cada vez mais, écomum recorremos aos mecanismos de busca e redes sociais. São formas rápidas de obter confirmações ou descobrir fatos que podem ter sido omitidos ou passado desapercebidos.

Essa facilidade para encontrar informações sobre fatos e pessoas não serve apenas para matar a nossa curiosidade. Em alguns casos, a Internet tem sido utilizada como meio de investigação para a solução de casos judiciais. Contamos um tempo atrás como um juiz de Cruzeta (RN) negou um pedido de isenção de custas judiciais (admitindo que ela não conseguiria arcar com os custos do processo judicial) para uma mulher por ter visto que ela havia frequentado jogos da Copa do Mundo em seu perfil no Facebook.

 Foto: Estadão

 

 

 

 

 

 

 

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Na semana passada, um juiz da 1ª Vara da Justiça do Trabalho de Salvador usou uma postagem do Twitter feita pela cantora Ivete Sangalo para auxiliá-lo a decidir um caso envolvendo a morte de uma funcionária de uma empresa em um acidente de carro. A família da vítima pedia indenização e uma pensão vitalícia já que o acidente teria acontecido enquanto ela se deslocava para um compromisso de trabalho. A empresa defendeu-se alegando que a vítima estava se dirigindo a um show da cantora. Mas ao analisar o horário em que Ivete registrou o início do show no Twitter e o horário do acidente, o juiz concluiu que o argumento da empresa não fazia sentido. O show começara perto das 19h e o acidente teria ocorrido próximo das 22h, em uma outra área da cidade.

Na mesma semana, também ganhou destaque uma decisão envolvendo a atriz Flávia Alessandra. A global, que processava uma blogueira no Rio de Janeiro, deixou de comparecer a uma audiência com o juiz, apresentando atestado médico para justificar a ausência. De acordo com o atestado, ela deveria ficar de repouso absoluto por cinco dias em razão de fortes cólicas. O problema foi a atriz ter sido fotografada saindo da academia no dia da audiência e em um camarote de carnaval no dia seguinte. Tendo encontrado as fotos na rede, o juiz condenou Flávia por má-fé no processo, além de dar ganho de causa à blogueira.

Mas se uma busca rápida pode ser suficiente para resolver uma dúvida eventual, parece que, no caso de processos judiciais, a responsabilidade do juiz deve ir além de sua mera curiosidade. Afinal, o processo é um rito formal a partir do qual as partes apresentam suas versões e o juiz forma sua convicção para julgar a controvérsia (e, possivelmente, punir).

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Para que isso seja feito de forma justa, existem algumas "regras do jogo": o processo de convencimento do juiz é cercado de formalidades. Muitas delas configuram garantias para a sociedade, como a que exige que o juiz só leve em consideração provas lícitas ou que se afaste do julgamento caso tenha alguma relação pessoal com quaisquer das partes, por exemplo.

Outra dessas garantias dá aos participantes do processo a oportunidade de se manifestar sobre todos os acontecimentos e provas apresentadas, fornecendo sua versão. Se, de um lado, a grande disponibilidade de informações na Internet pode contribuir para decisões mais justas, de outro, isso não pode significar que, agora que a Internet existe, uma simples consulta possa resolver um caso por si só. Tais pesquisas não parecem suficientemente confiáveis (ou justas) para que se deixe de lado essa "luta de versões" entre quem está brigando na Justiça, chamada de "contraditório". É só pensar em quantas vezes você já não viu alguém compartilhar uma notícia falsa ou uma foto adulterada ou fora de contexto, dando uma impressão equivocada da história.

Nada contra o juiz se apropriar da Internet para buscar elementos que o auxiliem a analisar as demandas e tomar decisões que considere mais justas. Todavia, esse poder de investigação deve estar acompanhado de transparência e das formalidades que o direito impõe ao processo. Dar às partes a oportunidade de se manifestar sobre evidências encontradas por conta própria na Internet é garantir que, no futuro, não sejamos julgados com base no que os algoritmos considerarem mais relevante. Nem tudo que está na rede é verdade e nem toda mentira tem perna curta.

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