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A internet no banco dos réus

De volta para o futuro (dos livros)

por Dennys Antonialli, Francisco Brito Cruz e Mariana Giorgetti Valente

Por Mariana Giorgetti Valente
Atualização:

Com a chegada de uma nova tecnologia, quase sempre vem a preocupação do Estado em colocar novas regras para sua utilização. Está sendo assim com os drones, com os chamados vestíveis e com tantas outras invenções. A verdade é que a inovação tecnológica anda sempre à frente da mudança legislativa, que caminha num ritmo mais lento. E faz sentido que seja assim: imagine se, empolgados com De Volta para o Futuro, os legisladores tivessem elaborado leis para regular o trânsito de carros voadores para 2015?

Mas nem sempre alterar a legislação é algo necessário. Em alguns casos, é possível fazer equiparações e enquadrar novos produtos em categorias já existentes. Parece ser o caso dos e-readers, dispositivos que permitem a leitura de obras em formato digital.

 Foto: Estadão

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Desde que essas novas tecnologias chegaram, muito se tem especulado sobre o futuro dos livros e da leitura. Não é para menos: os grandes jornais e as grandes revistas impressas já estabeleceram seus portais digitais, muitas vezes com conteúdo exclusivo para leitura online. Outros veículos importantes já nasceram exclusivamente digitais. Projetos de digitalização públicos, como a Biblioteca Digital Pública da América, e comerciais, como o Google Livros, estão se desenvolvendo com a missão de transformar bibliotecas físicas em digitais - e não sem conflitos. Mas não há tampouco evidências de que o livro no formato físico vá deixar de existir: parece mais que livro físico e livro digital serão complementares, como disse Roberto Darnton, diretor da biblioteca de Harvard, em entrevista à UnivespTV.

Também no caso dos livros digitais, a questão que se coloca é: o que exatamente mudou? Será que o livro digital merece um tratamento jurídico diferente do livro físico?

Juridicamente, há questões de várias ordens envolvendo o livro e a leitura. Há direitos humanos como os direitos de acesso à educação, à cultura e à informação, há o direito autoral, e há questões tributárias. A Constituição Federal de 1988 contém uma imunidade tributária para livros, jornais, periódicos e o papel destinado à sua impressão. A ideia é que não incidam tributos sobre a produção desses materiais, e que, com isso, eles sejam favorecidos, para que se cumpram outros valores essenciais: o desenvolvimento da leitura, a educação e a cultura, a liberdade de expressão.

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É bastante claro que esta imunidade foi discutida em um mundo em que livro era livro impresso. Um conflito que obviamente surgiria, em se tratando de livro digital, é se a imunidade tributária se aplica também a eles e aos seus "suportes" - que não são mais o papel destinado à sua impressão, mas equipamentos, que podem ser exclusivos para isso (e-readers ou leitores de livros digitais, como o Kindle, da Amazon, e o Kobo, da Livraria Cultura) ou que tenham a leitura como uma de suas funcionalidades, como o computador, o tablet e o celular.

Essa questão foi enfrentada pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios recentemente. As editoras Saraiva e a Siciliano moveram uma ação contra o Distrito Federal para não pagar o ICMS, Imposto Sobre Circulação de Mercadorias, quando levam e-readers para o DF.

A argumentação da Saraiva e da Siciliano se baseia no argumento de que, diferentemente de tablets, celulares e computadores, o e-reader só serve para a leitura de livros. Assim, para elas, o e-reader é o equivalente exato do suporte da obra literária impressa, o papel.

O Tribunal confirmou a decisão de primeira instância, com o argumento de que "a evolução social autoriza e exige que se amplie o alcance de certas normas, sob pena de distanciar a constituição do corpo social a que se destina" - e que a imunidade tributária garantida pela Constituição Federal aos livros deve ser interpretada de acordo com a sua finalidade. Ou seja, a ideia era favorecer a leitura, educação, cultura e liberdade de expressão, e o e-reader funciona para todos esses fins.

Se considerarmos que a imunidade tributária deve ter como consequência a diminuição dos preços, a decisão pode visar promover um acesso ampliado à leitura. Num país em que se lê comparativamente pouco, ainda há municípios sem bibliotecas, e o preço do livro é muito elevado, isso deveria ser prioridade.

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Mas para que essa finalidade seja atingida, é preciso que as empresas que comercializam essas tecnologias façam jus a essa imunidade, respeitando os direitos do leitor, como os usos da obra permitidos pelo direito autoral, e distribuindo os benefícios pela cadeia produtiva, fazendo com que os preços caiam e se mantenham acessíveis. Só assim a equiparação fará sentido.

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Observação 1: a questão de imunidade tributária do e-book está pendente de julgamento em regime de repercussão geral no STF.

Observação 2: falando em direito e tecnologia, o InternetLab está produzindo boletins semanais sobre as consultas públicas em curso sobre a regulamentação do Marco Civil e sobre a Lei de Dados Pessoais. Acompanhe!

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