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A internet no banco dos réus

Juiz, de quem é a música?

por Dennys Antonialli, Francisco Brito Cruz e Mariana Giorgetti Valente

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Por Mariana Giorgetti Valente
Atualização:

Você já tentou assistir a algum vídeo na Internet e se deparou com uma mensagem de que aquele conteúdo havia sido bloqueado por uma violação de direitos autorais? Os casos mais evidentes são de filmes ou capítulos de novela disponibilizados na íntegra, mas isso também acontece com músicas e outros conteúdos. Esses bloqueios são formas de fazer valer a proteção ao direito de autor nas plataformas - proteção essa que tem se tornado uma realidade em alguns serviços, efetivada por acordos comerciais e associativos, mesmo que impensável nos primórdios da Internet.

Em plataformas alimentadas por usuários - como o YouTube, em que a cada minuto é inserido o equivalente a mais de 100 horas de novos vídeos - como determinar quem é o real detentor de direitos autorais? Como se cercar de garantias de que quem sobe um conteúdo é detentor dos direitos, sem que isso burocratize o processo e impeça usos justos de direito autoral alheio? E mais: quando há uma violação, quem deve ser responsabilizado? Só o usuário? O usuário e a plataforma? A plataforma, só em algumas ocasiões e após alguns marcos ou procedimentos?

 Foto: Estadão

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Essa é uma discussão que passa pela responsabilidade de intermediários, tema que já abordamos neste blog no passado. Intermediários são as plataformas que abrigam conteúdos postados pelos seus usuários, como é o caso do Facebook, WhatsApp, Flickr, Youtube, Vimeo e tantas outras. É evidente que a grande maioria dos conteúdos compartilhados é lícita. O ponto é quem responde quando não for assim.

Em novembro do ano passado, uma juíza da 4ª Vara Cível do Foro Central de Porto Alegre condenou o Google a indenizar em R$ 50 mil o músico Tony de Lucca. Tony afirmou ser compositor e intérprete - com sua banda D-Tones - da música "Te gosto demais". Em 2008, ficou sabendo que havia alguns vídeos com a sua música, disponibilizados no YouTube por outros usuários, mas atribuídos à banda Pimentas do Reino. De acordo com a decisão, Tony tentou entrar em contato com o YouTube algumas vezes, mas os vídeos não foram removidos. Foi então que entrou na Justiça, pedindo não só a remoção dos links, como que o Google (que é dono do YouTube) o indenizasse por ter ignorado seus pedidos.

Desde maio do ano passado, parte dessa discussão sobre quem é responsável pelo quê e quando foi resolvida. É que o Marco Civil da Internet determinou que a regra geral para esses casos é de apenas responsabilizar o intermediário a partir do momento que um juiz determinar a remoção do conteúdo. Antes disso, por mais que tenha havido pedidos dos usuários, a plataforma não é responsável pelos danos causados, o que pretende privilegiar a liberdade de expressão.

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Isso seria suficiente para resolver o caso de Tony e eximir o Google de responsabilidade não fosse uma exceção incluída no Marco Civil por pressão da indústria de conteúdo brasileira. Ela exclui a aplicação dessa regra no que se refere a direito autoral, fazendo com que a indefinição pré-Marco Civil se mantivesse nesses casos. Em outras palavras, ainda não há regra sobre a responsabilização de intermediários por violação de direito autoral no Brasil.

A responsabilidade de intermediários parece uma questão técnica-jurídica, mas envolve um balanço delicado de diferentes direitos e deveres de usuários e plataformas na Internet. E, com isso, o balanço entre a diversidade cultural e a proteção à remuneração legítima do autor, a multiplicidade de pontos de vista e o direito de não ser agredido.

Cuidar desse balanço parece ser mais a função do juiz do que das plataformas de Internet. Ou seja, a regra do Marco Civil deveria valer também no caso de direitos autorais. Ainda que Tony de Lucca tenha sido lesado, será que o melhor dos mundos é mesmo aquele em que é o YouTube quem decide isso - ficando sujeito, portanto, a indenizar quando decide mal? E se Tony não fosse mesmo o autor, mas alguém interessado em prejudicar a outra banda?

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