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A internet no banco dos réus

Liberdade de expressão a preço de banana

Por Dennys Antonialli, Francisco Brito Cruz e Mariana Valente

Por Dennys Antonialli
Atualização:

Numa democracia, corridas eleitorais precisam acontecer segundo determinadas regras pré-estabelecidas e acompanhadas por alguém que possa arbitrar quando um candidato/a ou eleitor/a passa desse ou daquele limite. Regras podem servir para preservar o ambiente de discussão democrática, prevenir o uso de um poder econômico desproporcional ou para regulamentar como, quando e onde candidatos podem fazer campanha.

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Quando a campanha começa a ser feita na Internet, não é incomum que certas normas tenham que ser adaptadas a esse novo ambiente. A aplicação do direito pensado para a vida offline às vezes fica desajustada quando é necessário enquadrá-la a casos envolvendo a Internet.

Esse parece ser o caso do direito de resposta, originalmente idealizado para regular manifestações realizadas nas mídias mais tradicionais, como jornais e revistas, e que, cada vez mais, precisa ser aplicado ao contexto da Internet.

Foi o que aconteceu recentemente na Justiça Eleitoral, ramo do Judiciário responsável por atuar como árbitro durante o período de campanha. Rudi Aloísio Rasch, candidato a prefeito da cidade de São João do Oeste, em Santa Catarina, acionou a Justiça para que lhe fosse concedido "direito de resposta" em relação a uma postagem feita no Facebook. Rudi queixou-se de que, em um post realizado por uma usuária que apoiava seus opositores, um eleitor teria feito um comentário que seria ofensivo à sua honra: "Meus amigos se preparem para fazer a festa no dia dois de outubro a noite, pois o adversário é um banana".

Mesmo após o comentário haver sido excluído (tendo ficado "no ar" por apenas 9 horas), Rudi buscou a Justiça Eleitoral para obter o direito de resposta previsto na legislação. De fato, o art. 58 da Lei das Eleições assegura o direito de resposta a candidatos "atingidos, ainda que de forma indireta, por conceito, imagem ou afirmação caluniosa, difamatória, injuriosa ou sabidamente inverídica, difundidos por qualquer veículo de comunicação social"; o 57-D, incluído em 2009, prevê que esse direito também será garantido na Internet. É uma previsão genérica; como fazê-la valer em relação a materiais tão distintos como um texto publicado num blog, um jornal online, um tweet, ou um post de Facebook (discussão que já apareceu neste blog)? E mais, seria uma afirmação "caluniosa, difamatória, injuriosa ou sabidamente inverídica" um eleitor chamar um candidato de "banana" a ponto de ser-lhe garantido um "direito de resposta"?

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 Foto: Estadão

Por incrível que pareça, a primeira instância da Justiça Eleitoral considerou que a afirmação era sim injuriosa, e que devia ser objeto de um direito de resposta no Facebook, em moldes parecidos com aqueles que ocorrem na propaganda eleitoral na televisão. O juiz determinou que o eleitor que chamou Rudi de "banana" deveria se utilizar do seu perfil pessoal para postar o seguinte comentário no post original: "Nos termos de decisão proferida em ação de direito de resposta da 65ª Zona Eleitoral, venho afirmar que: 'O adversário não é um banana. Merece respeito. É censurável minha ofensa, que pode configurar injúria.'", e que a autora original deveria manter a resposta em seu post por no mínimo 18 horas - o dobro do tempo em que ela esteve visível anteriormente, de acordo com a legislação eleitoral.

No recurso, os eleitores (a dona da postagem original e o autor do comentário "ofensivo") pediram que a segunda instância reconsiderasse a decisão, argumentando que se tratava apenas de uma crítica ácida. Na decisão, os juízes entenderam que "banana" seria sim uma ofensa suficientemente grande para ensejar "direito de resposta", mas observaram que, como o comentário foi feito em um perfil público no Facebook, o próprio candidato poderia responder, diretamente ali. Anotaram, também, que o comentário não havia tido efeito significativo, tendo obtido apenas poucas curtidas.

O caso suscita duas discussões importantes. A primeira diz respeito ao que pode ser considerado ofensa e sobre qual o limite que a Justiça Eleitoral estabelece para o discurso crítico. Essa é, fundamentalmente, uma questão de liberdade de expressão. Sobretudo no período eleitoral, quando as convicções a respeito dos/as candidatos/as são formadas, o respeito à livre manifestação, incluindo aquelas mais ácidas ou menos polidas, é crucial para a democracia. Conforme também já comentamos aqui, os políticos, em geral, deveriam ter a "casca mais grossa" para resistir a esses tipos de crítica, inclusive aqueles que ainda estão no período de campanha.

A segunda discussão é sobre como entender o instituto do "direito de resposta" em tempos de Internet. Ao concedê-lo, obrigando um cidadão a postar um comentário abaixo do que foi julgado ofensivo, a primeira instância esforçou-se para aplicar a legislação eleitoral, levando em conta o próprio meio em que o comentário considerado ofensivo foi feito. Por outro lado, como notou a segunda instância, em um perfil público, tal espaço permite que uma resposta já seja postada pelo próprio candidato, o que seria impossível na TV ou no rádio.

O direito de resposta, em si bastante polêmico do ponto de vista de debates sobre a liberdade de expressão, foi moldado para uma mídia unidirecional, de massa, em que o cidadão não contribui com suas opiniões. Pensar o direito de resposta na Internet é também pensar nas peculiaridades das plataformas utilizadas pelos usuários e na possibilidade que os próprios candidatos têm de responder e dialogar por si próprios. Mais do que isso, estamos falando, aqui, do caso de um sujeito, eleitor, que utilizou uma palavra bastante corrente - banana - para se referir a um candidato, em plena campanha. Considerar que uma palavra como essa seja "ofensiva" o suficiente para ensejar direito de resposta é ignorar que a liberdade de expressão também protege manifestações mais ácidas ou críticas. É evidente que há limites. Mas eles não podem ser tão inflados.

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Confira a íntegra da decisão aqui.

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