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A internet no banco dos réus

Memória seletiva

Por Dennys Antonialli, Francisco Brito Cruz e Mariana Valente

Por Dennys Antonialli
Atualização:

Pode ser um paquera, um candidato a uma vaga de trabalho, um artista ou um político: é difícil encontrar quem nunca tenha buscado informações sobre alguém na Internet. Existe até um termo "da Internet" para fazer isso sistematicamente: "stalkear". A facilidade de acesso a esses acervos digitais sobre a vida das pessoas mudou a nossa relação com a memória: se, antes da Internet, era mais fácil deixar que muitas dessas informações fossem esquecidas, hoje, é difícil aceitar que não exista nada registrado sobre alguém.

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Nem sempre esses registros são desejados pela pessoa a quem eles se referem. Foi o caso, por exemplo, de um cidadão cujo nome aparece vinculado a notícias publicadas em 2007, quando foi detido por suspeita de participação em grupo skinhead. Passados alguns anos da publicação daquelas notícias, ainda é possível encontrá-las, quando seu nome é digitado nos mecanismos de busca. Isso estaria, alegou ele, causando-lhe constrangimento e dificuldade de recolocação no mercado de trabalho.

Para tentar se livrar dessas consequências, o sujeito decidiu acionar a Justiça, tanto para impedir que o Google exibisse aquelas notícias quando alguém buscasse seu nome, quanto para exigir que os veículos de imprensa responsáveis pelas notícias (O Estado de São Paulo, Globo e UOL) fossem obrigados a deletá-las.

 Foto: Estadão

Para o sujeito, este seria mais um caso do chamado "direito ao esquecimento". Basicamente, não questionou a veracidade das notícias, mas defendeu que seu interesse individual e personalíssimo (de não ter seu nome associado a fatos passados que lhe desabonam) deveria prevalecer em detrimento do interesse coletivo (de ter acesso às notícias).

Seus argumentos convenceram o juiz de primeira instância, que determinou que os veículos deletassem as notícias de suas páginas na Internet. O mesmo magistrado rejeitou, entretanto, o pedido de impedir o Google de associar o nome do autor com resultados ligados às notícias, entendendo que o mecanismo de busca não seria responsável pela sua publicação.

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De sua parte, os veículos responsáveis pelas notícias decidiram recorrer, alegando, em sua defesa, que a decisão feria garantias constitucionais como a liberdade de imprensa, o direito à informação e o direito à memória coletiva. Destacaram também a importância da manutenção de notícias jornalísticas como recurso fundamental às gerações futuras, sobretudo como instrumento de análise social, de pesquisa histórica e cultural.

Em decisão recente, o Tribunal de Justiça de São Paulo reverteu esse entendimento do juiz, determinando que as notícias continuem no ar. Para os desembargadores, o fato de as notícias não serem falsas (já que a veracidade não foi sequer questionada pelo autor) impede que elas sejam simplesmente apagadas. Apagá-las equivaleria, ressaltaram, a ordens dadas "num dos tantos momentos menos esclarecidos da História da Humanidade, para queima de livros, destruição de bibliotecas".

De fato, há que se ter muito cuidado ao avaliar pedidos fundados no "direito ao esquecimento". Se concedido de forma genérica, ele pode ser usado como uma borracha poderosa, que apaga partes da história, tira notícias do ar e prejudica o acesso à informação. Nas mãos de figuras públicas, como políticos e governantes, o direito ao esquecimento pode ser um instrumento ainda mais perigoso, servindo para extirpar da memória fatos, denúncias e críticas. Durante as últimas eleições presidenciais, por exemplo, noticiou-se a tentativa do então candidato à Presidência da República, o senador Aécio Neves, de solicitar à Justiça que impedisse sites de busca a exibir resultados que associassem o seu nome a suspeitas de desvios de dinheiro público durante a sua gestão como governador do estado de Minas Gerais.

A discussão sobre o direito ao esquecimento não acontece apenas nos tribunais. Atualmente, tramitam diferentes projetos de lei que tratam da questão, como o PL 7881/2014, de autoria do Deputado Eduardo Cunha, o PL 1676/2015, do Deputado Veneziano Vital do Rêgo e o PL 1589/2015, de autoria da Deputada Soraya Santos (que tramita em conjunto com o PL 215/2015, chamado por ativistas de "PL Espião" por concentrar uma série de iniciativas polêmicas em termos de privacidade e liberdade de expressão). Abrindo caminho para a remoção de conteúdos com base em conceitos genéricos como "dados irrelevantes ou defasados" ou "fatos que não sejam de interesse público", os projetos podem promover uma verdadeira amnésia coletiva e, pior que isso, bem seletiva.

Acesse a decisão

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