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A internet no banco dos réus

Meu hotel só quer críticas cinco estrelas na Internet

por Dennys Antonialli, Francisco Brito Cruz e Mariana Giorgetti Valente

Por Mariana Valente
Atualização:

Um tempo atrás, se você fosse viajar, geralmente compraria um guia de viagem ou pediria indicações a pessoas que conhecessem o lugar. Se não encontrasse muitas informações, a chance das coisas darem errado era grande: você dependeria da máquina de publicidade dos hotéis, restaurantes e atrações turísticas, que, claro, não têm lá muito interesse em mostrar seus pontos fracos.

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Quem usa sites de avaliação de atrações e serviços como o TripAdvisor, o Yelp e o Expedia, ou ainda plataformas colaborativas como o Wikitravel, sabe como eles trazem segurança e informação aos novos clientes e turistas. Quer escolher um bom hotel romântico? Milhares de usuários terão indicado se uma acomodação é melhor para trabalho ou para namorar. Quer encontrar o restaurante mais amado por turistas numa cidade - ou fugir dele? Hoje em dia ficou mais fácil de encontrá-lo. Quer saber se aquela pousada que você tinha odiado, e que anunciou ter sido renovada, está realmente melhor? As fotos tiradas pelos usuários podem ser mais realistas que aquelas tiradas pelo fotógrafo profissional, contratado pelo proprietário.

É claro que muitos comentários e avaliações dependem de gosto, e as pessoas são diferentes. Mas a variedade de opiniões e algum senso crítico podem fazer desses sites algo muito útil. E ainda forçar os estabelecimentos a terem mais compromisso com a qualidade de seus serviços. Reclamações, evidentemente, vão incomodar (quem gosta de receber críticas?), e algumas pessoas podem exagerar, mas parece que o saldo é positivo.

No Rio de Janeiro, o Hotel Royalty Copacabana incomodou-se com as críticas feitas em sites como o TripAdvisor e o Expedia.com. Para o estabelecimento, os comentários dos usuários do site - seus antigos clientes - feriam sua reputação. Além disso, eles teriam tirado fotos de seus espaços e postado sem autorização. Na Justiça, o hotel entrou com ação contra os sites, para remoção das críticas e das imagens não autorizadas, além de pedir uma reparação em dinheiro pelo suposto "dano moral" causado.

O Hotel Royalty perdeu a ação em primeira e segunda instância. Na decisão final, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro decidiu que os comentários são protegidos pela direito à liberdade de expressão. Mais do que isso, decidiu que manter as informações na rede fomenta concorrência e a livre iniciativa - outros valores importantes que estão na Constituição. Na verdade, como destaca o relator do processo, a avaliação realizada pelos usuários pode ser considerada muito mais confiável do que a propaganda institucional.

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Não é incomum que estabelecimentos não lidem bem com as críticas que aparecem na Internet, em sites como o TripAdvisor. Alguns estabelecimentos buscam se proteger de críticas mais duras e de exageros feitos por antigos clientes: na Inglaterra, um casal teve uma cobrança de 100 libras a mais em seu cartão de crédito pelo hotel descrito por eles como como um "casebre fedorento". A cobrança fazia parte de uma política institucional do hotel "contra críticas negativas". O casal só foi reembolsado depois, após reclamar às autoridades locais.

Além de atentar contra a liberdade de expressão de seus antigos clientes, estabelecimentos que decidem se insurgir contra críticas deixadas em relação a seus serviços podem estar dando um tiro no próprio pé. Quando a tentativa de retirar a crítica do ar vira notícia, ganha muito mais destaque o fato de que o estabelecimento foi alvo de uma avaliação ruim - e que não lidou bem com isso.

É o que se costuma chamar de "efeito Streisand", em referência a um caso famoso envolvendo a cantora americana Barbara Streisand. Em 2003, algumas imagens aéreas feitas da praia de Malibu, na Califórnia, captaram a casa da artista, que se rebelou contra a divulgação das imagens. O problema é que a reclamação da cantora fez com que todos soubessem que aquela era a sua casa, fato que antes passaria facilmente desapercebido por quem visse as fotos, que visavam retratar o litoral da Califórnia, e não a casa de celebridades. Em outras palavras, a tentativa de impedir a divulgação das fotos só chamou mais atenção do público para a casa mostrada nas fotos. O feitiço virou-se contra a feiticeira.

Foi-se o tempo em que a única publicidade disponível era aquela controlada pelo estabelecimento. A Internet empoderou os consumidores com a possibilidade de repercutir a sua experiência e as suas impressões sobre produtos e serviços, e não faz sentido amordaçá-los para tentar conquistar novos clientes. Talvez seja melhor agradar os antigos.

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