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A internet no banco dos réus

Na Internet dos hermanos, quem decide é o juiz

Corte decidiu que buscadores não são responsáveis por conteúdo de terceiros que indexam, da mesma forma como os bibliotecários não são responsáveis pelos livros que catalogam

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Por Mariana Valente
Atualização:

por Dennys Antonialli, Francisco Brito Cruz e Mariana Giorgetti Valente

 Foto: Estadão

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Podemos pensar na Internet como uma gigantesca biblioteca. Nas estantes, encontramos milhares de sites e plataformas, que nos dão acesso a um acervo infindável de conteúdos. Na biblioteca, todos os livros encontram-se catalogados e organizados por seus números de tombo. Na Internet, essas informações estão hospedadas em inúmeros servidores pelo mundo. Essa avassaladora quantidade de referências disponíveis sempre foi um desafio para os internautas. Achar o que se quer nem sempre foi fácil.

A solução desse problema foi desenvolvida paulatinamente: mecanismos de busca, que nada mais são do que os bibliotecários da Internet, ou um sistema de catalogação. Equipados com programas automatizados de indexação de páginas (crawlers), esses serviços se propõem a catalogar, de acordo com seus critérios, todo o conteúdo disposto nessas estantes virtuais. A partir dos termos de busca digitados pelo usuário, é exibida uma lista de resultados, compilados de acordo com a sua relevância. Muitos de nós, inclusive, desaprendem a digitar o endereço "URL" (aquele iniciado por http://www), navegando apenas com a ajuda desses mecanismos.

Mas há ainda uma diferença importante: as estantes virtuais são invisíveis aos olhos dos usuários. Isso significa que, mais do que catalogar, esses buscadores têm uma influência determinante sobre o que será encontrado - e o que não será. Isso os coloca em uma posição privilegiada, na medida em que atuam como intermediários das buscas por informação na rede. A Internet passa a ser, para o usuário médio, o que eles indexam.

O elemento complicador do caso em questão é: se, em meio a essas estantes, existirem livros - ou páginas - que contenham informações inverídicas ou ofensivas a alguém, seria possível culpar os bibliotecários pelo acesso a esses materiais? Ou ainda: seria possível exigir que eles escondessem esses livros das estantes?

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A metáfora da biblioteca foi usada, na última semana, pela Suprema Corte da Argentina, que respondeu "não" a essas perguntas. O caso analisado envolveu a atriz e modelo portenha Maria Belén Rodríguez, que vem processando, há oito anos, dois dos mais conhecidos "buscadores" da Internet, Google e Yahoo!. O motivo? Ela buscava uma condenação das empresas, que não removeram resultados a seu respeito de buscas feitas com seu nome, apesar de tê-las já notificado.

As pesquisas resultavam em links de páginas de conteúdo adulto, e os buscadores ainda mostravam miniaturas de fotos suas (as chamadas "thumbnails") disponíveis na rede sem sua autorização. Embora as instâncias inferiores tivessem dado alguma razão à modelo, a Suprema Corte negou todos os seus pedidos.

Além de ter considerado lícita a utilização das imagens em thumbnails e decidido contra a criação de filtros para resultados futuros, a Corte também afirmou a inexistência de responsabilidade objetiva pelos buscadores: eles não são responsáveis, a priori, pelos conteúdos de terceiros que indexam, da mesma forma como os bibliotecários não são responsáveis pelos livros que catalogam. Ou seja, não têm um dever de monitorar o que indexam.

A Corte passou a analisar, então, em que circunstâncias eles podem se tornar responsáveis. Será que, a partir do momento que são notificados pelo interessado ou por qualquer pessoa, os buscadores devem passar a ter o dever de remover os links em questão de seus resultados de busca?

Sempre trazendo à tona preocupações com a liberdade de expressão e o caráter transformador da Internet para o pluralismo e a divulgação das informações, a Suprema Corte julgou que essa obrigação só existe no caso de dano "manifesto e grosseiro". Não é fácil definir que casos são esses, mas a Corte deu alguns exemplos: pornografia infantil e apologia ao homicídio.

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Para além dessas hipóteses,ou seja, quando o caso exige esclarecimentos, só um juiz pode determinar que um conteúdo é ilícito, e o buscador não deve ser considerado responsável antes que um juiz assim determine. Em outras palavras, não tem o dever de decidir, por si mesmo, quais são os conteúdos lícitos e quais não devem ser elencados, com a exceção do que seja flagrantemente ilegal.

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Pode parecer uma discussão muito técnica, mas a responsabilidade de intermediários tem tudo a ver com a experiência do usuário de Internet. As pessoas têm a impressão, quando fazem pesquisas em buscadores, de que receberão uma lista de tudo que existe, e numa ordem racional. A Internet é mais que o que os mecanismos de busca mostram, e a deep web é o melhor exemplo disso.

Ainda assim, a pluralidade e diversidade de informações, que caracteriza a força da Internet em termos de liberdade de expressão, é maculada quando esses mecanismos passam a ter de atuar como juízes, que decidem se algo deve ou não ser mostrado, sob pena de serem responsabilizados pela Justiça posteriormente. No Brasil, o Marco Civil determinou que, com exceções, o intermediário não precisa ser esse juiz, o que privilegia a liberdade de expressão. A Argentina deu um passo relevante nesse sentido.

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