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A internet no banco dos réus

Notas de uma guerra (de edições na Wikipedia)

Por Dennys Antonialli, Francisco Brito Cruz e Mariana Giorgetti Valente

Por Francisco Brito Cruz
Atualização:

Se você já esteve com uma daquelas dúvidas que não pode esperar - seja sobre uma data, uma pessoa ou um lugar -, certamente você já consultou a Wikipedia. Ao contrário de enciclopédias tradicionais, a Wikipedia tem informações sobre os mais variados assuntos: de informações sobre física e biologia à seriados de TV. O mais impressionante é que o seu repertório de informações é constantemente atualizado e é possível encontrar dados sobre acontecimentos muito recentes.

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Mas você já parou para pensar quem mantém a plataforma atualizada? Ou ainda: de onde vêm as informações que podem ser encontradas lá?

A resposta está nos próprios usuários. A Wikipedia é uma enciclopedia estruturada em uma plataforma colaborativa. Seus verbetes são editados por pessoas que colaboram de forma voluntária, ou seja, sem receber qualquer pagamento por isso. Isso significa que qualquer um, inclusive você, pode abrir um verbete novo, acrescentar informações a um verbete que já existe, ou alterar alguma informação que julgue estar equivocada.

Contado assim, a primeira impressão poderia ser a de que não há qualquer confiabilidade nas informações que estão na Wikipedia. Afinal, qualquer pessoa pode inserir informação sem fontes, por ignorância ou por má-fé. Mas não é bem assim: por mais que qualquer pessoa possa editar, existe uma série de regras e princípios, desenvolvidos por uma comunidade de wikipedistas, sobre o que se pode ou não fazer nos verbetes. O documento "Cinco Pilares" explicita quais são os princípios que regem a edição de artigos: por exemplo, que os artigos sejam civilizados, neutros, que respeitem pontos de vista diversos, e que só sejam inseridas informações verificáveis - ou seja, que os usuários não editem a Wikipedia com base em opiniões pessoais.

Nem sempre essas regras são respeitadas (até porque a sua aplicação depende de os usuários se ajudarem e se fiscalizarem, colaborando). Durante as eleições do ano passado, a plataforma esteve sob fogo cruzado. Em plena campanha eleitoral, a enciclopédia virtual foi objeto de controvérsia após notícias de que os verbetes relativos a dois jornalistas críticos ao governo - Miriam Leitão e Carlos Alberto Sardenberg - foram editados a partir de uma conexão à Internet que partia do Palácio do Planalto. Como qualquer usuário pode editar verbetes, até aí nada de surpreendente. O problema foi o teor das alterações: foram inseridas opiniões de caráter político e que desabonavam a credibilidade dos jornalistas.

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Sobre Sardenberg, por exemplo, foram incluídos trechos que questionavam a parcialidade de suas opiniões sobre assuntos econômicos (por ser irmão de Rubens Sardenberg, economista-chefe da Febraban) e que atribuíam a ele "erros notáveis em suas previsões" econômicas. Sobre Miriam, chegaram a alterar sua profissão para "urubóloga".

Apesar de, no início, ter-se afirmado que não havia como descobrir o responsável pelas inserções críticas a respeito dos jornalistas, tanto o Planalto como os jornalistas iniciaram uma busca para descobrir quem havia feito tais inserções. O responsável foi encontrado - um servidor público que trabalhava na Casa Civil. Por sua conduta no exercício das funções e que colocou o Planalto em uma verdadeira saia justa, o servidor foi exonerado após sindicância. Mas não parou por aí: o caso chegou na Justiça.

Miriam Leitão e Carlos Alberto Sardenberg abriram um processo criminal contra o servidor responsável pelas alterações. Alegaram que houve crime contra a sua honra por parte dele. O processo correu no Distrito Federal e, antes de ser decidido pelo juiz, o acusado aceitou a proposta do Ministério Público de prestar serviços à comunidade para por fim à ação.

O caso nos coloca diante de uma questão: o que garante que a Wikipedia não seja um espaço pouco confiável, vulnerável a edições enviesadas ou mal intencionadas? A resposta está na forma como a gestão da plataforma está organizada. Para começar, existe uma comunidade, auto-organizada, na qual usuários assumem determinadas funções decisórias e de solução de conflitos. Esses indivíduos são escolhidos pela comunidade, e normalmente são editores experientes e pessoas comprometidas com o "projeto Wikipedia". Pessoas que dedicam seu tempo a isso voluntariamente - o que pode se dar por muitos motivos diferentes a depender da pessoa. De qualquer forma, o sistema em geral funciona: existem editores com função de coibir "vandalismo", acompanhar verbetes recém-criados para garantir a qualidade, revisar verbetes a pedido de alguém. Ainda assim, o próprio projeto reconhece fraquezas e sugere que os verbetes não sejam usados como fonte primária, ou seja, que as referências sejam checadas e outras fontes sejam consultadas.

A comunidade de wikipedistas tem especial preocupação com biografias de pessoas vivas: as regras determinam que, nesses casos, deve-se ser especialmente responsável e conservador, para evitar que a Wikipedia se torne um espaço de disputas pessoais, artísticas ou políticas. Até as críticas à pessoas devem ser usadas com muita cautela nesses casos.

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O episódio dos jornalistas chama a atenção para a importância dos processos colaborativos na Internet. Plataformas que permitem a construção de conhecimento de forma descentralizada, como é o caso da Wikipedia, se tornaram instrumentos poderosos de garantia do acesso à informação, mas também dependem do desenvolvimento de regras que tornem seus resultados confiáveis. Em vez de demonizar esses processos e reputar seus resultados como distorcidos, vale a pena observar seus procedimentos internos, suas forças e fraquezas, e o valor que podem assumir. Em uma guerra de edições, um usuário não consegue derrotar uma comunidade.

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