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A internet no banco dos réus

"Notícias falsas": a polêmica chega ao Judiciário

Por Dennys Antonialli, Francisco Brito Cruz e Mariana Valente

Por Francisco Brito Cruz
Atualização:

Você já se perguntou quantas manchetes você lê por dia no seu feed? Quantas vezes abriu um link "bombástico" enviado por um amigo ou familiar e foi levado a uma notícia que parecia falsa? E quando esses links viralizam e são compartilhados por uma multidão de pessoas? O tema está quente: após a eleição presidencial nos Estados Unidos, a disseminação de "fake news" - ou "boatos" - tornou-se a principal polêmica da primeira coletiva de imprensa do presidente eleito Donald Trump, acusado por parte de canais estabelecidos da mídia de se beneficiar dos boatos durante o pleito.

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No Brasil, o ambiente político polarizado também tem sido cenário para casos de boatos, que inclusive já chegam ao Judiciário. No ano passado, o cantor Gilberto Gil entrou com uma ação judicial em face do Facebook e do site Pensa Brasil para retirar do ar uma matéria que continha citações de uma entrevista que, segundo ele, nunca existiu. Para seus advogados, o site estaria em busca de criar um factóide e usar o nome de Gil para "captar seguidores na internet e, com isso, alavancar seus negócios". Na contestada entrevista, Gil teria saído em defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na ocasião de acusações feitas no bojo da operação Lava-Jato, afimando que "o que fizeram com Lula não passa de uma das maiores práticas de terrorismo, o nosso maior líder que tanto lutou pela democracia não merecia uma desfeita dessa do Juiz Sérgio Moro".

Gil ficou incomodado com serem-lhe imputadas frases que nunca teria dito, em matéria com verniz de verdadeira. Isso porque o site Pensa Brasil não é um site de notícias reconhecidamente falsas, como é o caso do site de humor Sensacionalista. O que indicaria, ao leitor, que aquilo poderia ser uma invenção?

 

 Foto: Estadão

 

A primeira manifestação da 12ª Vara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro foi favorável a Gil, motivo pelo qual a matéria não está mais no ar (ficando acessível apenas por meio de consulta no "Arquivo da Internet"). Na decisão (que tem caráter liminar), o magistrado considerou que as alegações e documentos iniciais eram suficientes para dar razão ao ex-ministro, e determinou a sua remoção da Internet para protegê-lo de "dano irreparável" à sua honra e imagem. Mesmo a favor de Gil, a decisão não foi suficiente para que a informação continuasse a se propagar em outros sites de notícias não compreendidos em seu pedido e em comentários de redes sociais e vídeos. Por outro lado, a informação foi considerada "boato" pelo Boatos.org, site que realiza checagem de conteúdos duvidosos.

 

 Foto: Estadão

 

O caso é exemplificativo da complexidade desse fenômeno. Uma recente análise comparativa entre o engajamento de usuários de Facebook gerado por boatos, de um lado, e notícias produzidas por grandes jornais e emissoras, de outro, apontou que, na reta final da eleição presidencial americana, os boatos foram mais populares. As consequências podem ser graves em termos de acesso à informação de qualidade (com fontes verdadeiras e checagens realizadas), quadro que se agrava se considerada a dificuldade de muitos usuários em julgar criticamente a qualidade das notícias com que têm contato nas redes sociais. Um estudo da Universidade de Stanford revelou, no fim de novembro do ano passado, que 80% dos estudantes nos Estados Unidos não conseguem diferenciar notícias normais de anúncios. Um relatório de 2011 do instituto britânico Demos traz dados ainda mais preocupantes, voltados para a realidade inglesa: por volta de 25% dos jovens de 12 a 15 anos não checariam nenhuma informação consumida nas redes sociais, e apenas ? de crianças e adolescentes de 9 a 19 teriam tido contato com algum tipo de discussão na escola sobre confiabilidade da informação encontrada na Internet.

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No ano passado, meios de comunicação e jornalistas começaram a pressionar o Facebook para pensar em qual seria seu papel frente a essa realidade. Qual seria o impacto de uma informação que não passou por qualquer crivo editorial ou checagem, mas que foi compartilhada alguns milhões de vezes? Em novembro, o CEO do Facebook, Mark Zuckerberg, pronunciou-se, dizendo que há riscos na atividade de controlar notícias falsas, mas assinalando para possíveis mudanças. No dia 15 de dezembro, o Facebook anunciou a criação de um recurso para que os usuários possam sinalizar que uma notícia parece duvidosa, para que a empresa tome providências para torná-la menos visível. A medida começará a valer na Alemanha, onde a chanceler Angela Merkel tem se mostrado preocupada com o impacto do compartilhamento de boatos na eleição no país. De fato, se considerarmos o alcance e a importância do Facebook no debate público, é um poder considerável.

Com o tema na ordem do dia, como o Judiciário deve lidar com pedidos que envolvam artigos ou páginas que apresentam informações falsas ou imprecisas? Além de nem sempre a retirada surtir efeitos - o conteúdo retirado de um site pode voltar a aparecer em outros - a discussão pode colocar o Judiciário em uma posição difícil. A tarefa de analisar a "veracidade" das notícias publicadas e compartilhadas na Internet não é fácil, colocando os juízes para enfrentar zonas cinzentas: por vezes, não haverá critérios objetivos para fazer esse tipo de apreciação e entrarão em pauta questões delicadas como a proteção ao sigilo de fontes. A complexidade (e o risco de ocorrerem abusos, como alegações de que conteúdos legítimos seriam falsos) pode ainda se agravar se decisões de remoção ocorrerem sem que seja dada à outra parte oportunidade de se manifestar - como foi, aliás, o caso na liminar de Gil.

Boatos sempre foram comuns na sociedade; de panfletos e colunas sociais a tabloides e especulações sobre a vida de famosos. O novo desafio é conter seu avanço para além das questões de mera bisbilhotice, alcançando um poder de manipulação da opinião pública com importantes repercussões políticas. Antes, combatê-los era uma questão de honra. Agora, pode ser uma questão de cidadania.

 

Materiais:

  1. Decisão comentada no artigo;
  2. Estudo da Universidade de Stanford;
  3. Análise comparativa entre "boatos" e notícias de grandes órgãos de mídia e seu engajamento no Facebook.

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