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A internet no banco dos réus

O futuro dos comentários de Internet

Por Dennys Antonialli, Francisco Brito Cruz e Mariana Giorgetti Valente

Por Francisco Brito Cruz
Atualização:

Quem lê muito jornal pela Internet sabe: os comentários dos usuários são um mundo a parte. Divertidos, desconexos, inteligentes ou agressivos, eles exprimem as primeiras reações ao texto. Para os autores, são indicadores de como o texto foi recebido; para os jornais, demonstram o quanto a notícia fisgou leitores e polemizou. Para os leitores, é uma forma de exercer sua liberdade de expressão e veicular críticas ou elogios.

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Foi um desses comentários que desagradou o ex-desembargador Orlando Manso. Ele teria sido atingido por um comentário ofensivo publicado em uma notícia do Jornal Tudo na Hora publicada em 2008. Segundo o magistrado, o jornal teria publicado a história pela metade, com o objetivo de instigar reações agressivas dos internautas. Diante disso, entrou com um pedido de indenização contra o jornal pela ofensa que teria recebido no comentário.

O Tudo na Hora, em sua defesa, tentou argumentar que não tinha obrigação de controlar previamente as manifestações das pessoas, e que a culpa pelo comentário era exclusiva de quem o fez. Além disso, afirmou, tinha removido os comentários assim que foi citado na ação.

Mas não teve sucesso. No fim de março deste ano, o Superior Tribunal de Justiça (responsável pela uniformização da legislação federal) condenou o jornal a indenizar Orlando Manso. O Tribunal entendeu que o jornal tinha responsabilidade por conduta omissiva, ou seja, por não ter feito a moderação dos comentários.

Apesar de reconhecer que decisões anteriores vinham determinando que intermediários não deveriam ser responsabilizados por comentários de usuários, o STJ entendeu que o caso do ex-desembargador é diferente. O motivo seria o fato de que esses comentários haviam sido postados no site de um jornal e não em uma plataforma de Internet, como um blog ou uma rede social. Sendo assim, os comentários "mesclam-se à própria informação" e filtrá-los faria parte da própria atividade jornalística.

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O Marco Civil da Internet, aprovado em 2014, estabeleceu uma regra específica para esses casos: os intermediários, como o Jornal Tudo na Hora, não são responsáveis por conteúdos gerados por terceiros. Sua responsabilidade começa apenas a partir de uma ordem judicial determinando a retirada do conteúdo. Antes disso, a responsabilidade recai apenas sobre o autor. Como o caso envolvendo Orlando Manso aconteceu antes da aprovação da lei, o STJ não esteve obrigado a aplicá-la.

Mas deveria. Isso porque, ao responsabilizar os jornais pelos comentários dos usuários, o STJ acaba impondo a eles um ônus muito grande: como controlar o que é dito pelos leitores? Como definir o que pode incomodar ou ofender os autores?

Na semana passada, por exemplo, o nosso post sobre demissão por causa de fotos postadas na Internet recebeu muitos comentários. Em um deles, uma pessoa afirmava que nosso título era sem graça - e que com certeza tinha sido feito por "um estagiário que dormiu com o Bozo". Não somos estagiários e nem dormimos com o Bozo, mas achamos bem engraçado. Imagine se o Facebook ou o Estadão tivessem obrigação de monitorar os comentários, e que pudessem ser responsabilizados caso nós tivéssemos nos sentido ofendidos. Na dúvida, para evitar um processo, o mais fácil seria censurar o comentário.

Parece desproporcional comparar um comentário inocente desses com uma ofensa mais pesada. É claro que há discursos que não devem ser protegidos pela liberdade de expressão, como os discursos de ódio, de incitação à violência ou preconceituosos contra minorias. Eles também circulam à solta pela Internet. Mas isso também não quer dizer que jornais necessariamente devam "fazer a limpa" nos comentários em cada uma das notícias por eles publicada. O autor de qualquer conteúdo postado na Internet pode sempre ser responsabilizado individualmente pelo que publicou.

Antes da Internet, a única possibilidade de um leitor comum interagir com um jornal ou revista era por meio das cartas, que são selecionadas e editadas pelos veículos. Se uma opinião não é corroborada pelo jornal, pode ser que ela não seja publicada. É interessante viver numa época em que qualquer pessoa pode se manifestar sobre o que leu, ainda que às vezes isso contrarie as opiniões dos jornais, dos autores e - por que não? - dos citados na matéria.

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Se a Internet potencializou nossa capacidade de manifestação, é importante garantir que ela permaneça forte. A ameaça de responsabilização das empresas jornalísticas pelas opiniões veiculadas por seus leitores pode desestimulá-las a manter espaços interativos em suas plataformas e a dar voz aos usuários.

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