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A internet no banco dos réus

Pode criticar, desde que não critique

por Dennys Antonialli, Francisco Brito Cruz e Mariana Giorgetti Valente

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Por Francisco Brito Cruz
Atualização:

Quem não se lembra do vídeo "Judith", do canal Porta dos Fundos, no qual o personagem de Fábio Porchat tenta cancelar sua linha telefônica? Pintado de azul, em alusão à campanha de marketing de uma empresa de telefonia, o humorista fica irritado e usa uma série de palavrões. A linguagem pode ser chula, mas a mensagem é clara: o atendimento do call center da empresa é muito ruim.

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O humor parece ter funcionado bem para a crítica. Foram mais de 14 milhões de visualizações do esquete. Com ou sem humor, a Internet multiplicou as formas de criação e divulgação de reclamações. Basta marcar uma empresa no Twitter ou publicar um depoimento na sua rede social. Algumas pessoas vão além, e criam páginas e canais exclusivamente dedicados às suas críticas.

É o caso das páginas do Facebook "FAJuta Zoiada" e "UniFAJ inconveniente", que se destinam a veicular opiniões de alunos insatisfeitos com a Faculdade Ciências Jussara, em Goiás. Ou melhor, que se destinavam: as páginas não vão continuar no ar por muito tempo. Um juiz aceitou o pedido da instituição contra o Facebook e determinou que a rede social as retire do ar, em 72 horas. Para ele, houve abuso da liberdade de expressão. O magistrado conclui que o direito de expressão deve "ser livre, porém, comedido".

 Foto: Estadão

Comedido. Ponderado. Respeitoso. Polido. Educado. Contido. Os adjetivos soam bonito, mas não combinam em nada com o sentimento de quem se sentiu lesado e quer ser ouvido. Desde quando a cordialidade passou a ser a melhor amiga da crítica? Desde quando a piada tem de ser engraçada sem ser ousada?

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Pesou também na decisão a utilização da marca (nome) e do logotipo (também marca) da faculdade nas páginas. É verdade que a propriedade da marca impede a sua utilização por terceiros, mas a lógica da garantia é outra: evitar a concorrência desleal e proteger o consumidor. A ideia não pode ser imunizar as empresas e instituições de reclamações e críticas. O direito "marcário" nasceu para impedir que concorrentes se apropriem de uma marca e confundam os consumidores, que precisam saber não estar comprando gato por lebre.

 Pois então: como fazer uma crítica a uma empresa sem expor minimamente a sua marca? Como vou criticar a Tim, GOL, Pepsi, o Carrefour, se não puder usar seus nomes? Como evitar que uma reclamação sobre uma cobrança indevida, por exemplo, não queime a imagem da empresa? A rigor, qualquer opinião negativa sobre a má prestação de um serviço pode ser considerada como prejudicial à imagem de uma empresa. Onde traçar a linha?

Se a utilização do logotipo induzisse o consumidor a erro, fazendo-o acreditar que se trata da página real da instituição, o argumento do uso indevido da marca faria sentido. Mas é difícil imaginar que alguém vá acreditar que "FAJuta Zoiada" seja a página oficial da instituição. Muito pelo contrário, o humor ajuda a separar as coisas. Quem entrar na página sabe que encontrará opiniões de alguém que está insatisfeito. E nada impede que os satisfeitos se manifestem. Ou que criem uma página para defender a instituição.

Nem todos os juízes enxergam a liberdade de expressão de forma tão restritiva. Foi divulgada ontem a decisão de um juiz federal de São Paulo que rejeitou o pedido dos Correios para que um vídeo fosse retirado do Youtube. A crítica pode ter vindo carregada de palavrões, mas nem por isso deixou de ser simplesmente uma crítica. A "linguagem chula e de mau gosto" não pode ser motivo para a sua censura.

A livre manifestação do pensamento, garantida na Constituição e reforçada no Marco Civil da Internet, não combina com "desde que". Pode reclamar, desde que não se use palavrão. Pode criticar, desde que não se use a marca da empresa. Pode fazer piada, desde que não seja de mau gosto. É verdade que a liberdade de expressão não é um direito absoluto. Mas os direitos à marca e à imagem também não são. Se até Manoel Bandeira já esteve farto do "lirismo comedido", imagine os cidadãos insatisfeitos.

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