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A internet no banco dos réus

Uber: "sim" e "não" não são as únicas respostas

Por Dennys Antonialli e Francisco Brito Cruz

Por Francisco Brito Cruz
Atualização:

Para quem ainda não conhece, o Uber é um aplicativo que permite que donos de veículos possam usar parte do seu tempo livre com o transporte de pessoas, que solicitam corridas por meio da plataforma. Presente em mais de 200 cidades no mundo, o serviço chegou a algumas capitais brasileiras há menos de um ano e, desde então, tem gerado muitos atritos.

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De um lado, taxistas alegam ter de arcar com altos custos para obter autorizações das prefeituras para poder exercer sua atividade, custos que os motoristas do Uber não têm. Temem pela lucratividade da categoria, supostamente ameaçada pela multiplicação do número de usuários do aplicativo. Recentemente, mais de mil taxistas se mobilizaram em um protesto que pedia a proibição do serviço em São Paulo, basicamente por motivos de concorrência desleal. A categoria escreveu em suas faixas: "Taxistas X Clandestinidade".

A empresa se defende e alega que seu modelo de negócios se insere na chamada "economia do compartilhamento". O objetivo é estimular trocas, serviços e a utilização sustentável de recursos com a criação de novas formas de consumo colaborativo, mediadas por plataformas online. É o mesmo sistema adotado por empresas que permitem que você alugue a sua casa (ou parte dela) por um período,a sua bicicleta por algumas horas ou até mesmo seu cachorro. Para o Uber, o serviço não pode ser equiparado à atividade tradicional dos taxistas.

Como em várias outras cidades no mundo, o embate foi parar na justiça. Na semana passada, um juiz da 12a Vara Cível de São Paulo concedeu uma liminar impedindo a utilização do aplicativo no Brasil inteiro, além de sua indisponibilização em lojas de aplicativos (como as da Apple e Google) e nos dispositivos onde já se encontrava instalado.

A ação foi movida pelo Simtetaxi-sp, o Sindicato dos Motoristas e Trabalhadores nas Empresas de Taxi no Estado de São Paulo. Mas a decisão não durou muito. No último dia 30, o juiz reconheceu que não deveria ter julgado o caso. O motivo? Os taxistas já haviam ingressado com uma ação muito parecida, sem sucesso.

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O Código de Processo Civil estabelece que ações que envolvam a mesma questão e os mesmos pedidos devem ser julgadas em conjunto, pelo mesmo juiz. É uma forma de evitar gastos duplicados com processos iguais e, principalmente, de garantir a uniformidade de decisões. Basta imaginar como seria caótico se quem perdesse uma ação pudesse entrar com uma nova para tentar a sorte com um outro juiz.

No caso do Uber, a ação anterior tinha sido proposta pela Associação de Taxi Boa Vista e também pedia a suspensão do aplicativo. Mas ela nem chegou a ser decidida porque a juíza Fernanda Gomes Camacho, da 19a Vara Cível de São Paulo, entendeu que a associação não tinha poderes para representar a categoria dos taxistas de São Paulo como um todo.

A preocupação da juíza faz sentido. Nesses tipos de demanda, que pretendem tutelar os direitos de uma coletividade ao invés dos de um único indivíduo, existem regras a respeito de quem pode fazer os pedidos. A legitimidade do autor da ação é muito importante. Não fosse assim, o direito de todos poderia ser afetado pelo interesse de alguns. A ação proposta pelo Simtetaxi-sp foi então para as mãos da mesma juíza, que decidiu esse caso anterior. Ela, mais uma vez, extinguiu a ação.

De todo modo, parece que a guerra judicial dos taxistas contra o aplicativo está longe de terminar. Como no Brasil a atividade de "transporte público individual" é regulada no âmbito municipal, mais ações devem surgir em outras cidades. Enquanto não há regulamentação específica para serviços como o Uber, a saída tem sido mesmo recorrer à justiça. E isso no mundo todo: Alemanha, Portugal, Índia, Tailândia, Espanha.

Decidir se o aplicativo é ou não ilegal é o máximo que o Judiciário pode fazer. Isso significará enfrentar um problema complexo de forma binária. Jogar essa tarefa nas costas dos juízes, que terão como únicos instrumentos de decisão legislações antigas, algumas das quais datam da década de 60, é esquecer-se que essa é uma questão de política pública. E, como tal, deve ser enfrentada, com criatividade, pelo Poder Público. Cabe ao Executivo e ao Legislativo se engajarem na discussão, a começar por conhecer os prós e contras envolvidos para a coletividade e os sistemas urbanos.

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Pesquisadores do InternetLab têm identificado respostas criativas de reguladores em alguns lugares. Na Califórnia, por exemplo, para garantir a segurança dos usuários desses serviços, exige-se o licenciamento das empresas, cobertura de seguro e critérios mínimos para cadastro de motoristas. Em Detroit, a Prefeitura fez um acordo com uma empresa parecida (a Lyft) para que ela realize a inspetoria nos veículos cadastrados e implemente uma política de tolerância zero para motoristas alcoolizados. Exigiu também que os dados dos motoristas sejam cruzados com o "banco nacional de ofensores sexuais". Nos dois casos, a solução não foi simplesmente proibir o serviço e ignorar a chegada da economia do compartilhamento porque, ao que parece, ela veio pra ficar.

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