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A internet no banco dos réus

Você é vigiado e nem sabe disso

por Dennys Antonialli, Francisco Brito Cruz e Mariana Giorgetti Valente

Por Mariana Giorgetti Valente
Atualização:
 Foto: Estadão

Você pode já não se lembrar, mas 2013 marcou uma grande agitação nos assuntos de Internet. Foi a época das denúncias de espionagem feitas pelo ex-funcionário da Agência Nacional de Segurança dos EUA (NSA), Edward Snowden. De acordo com as suas alegações, o governo estadunidense implementou programas de coleta de dados pessoais de forma indiscriminada, com vistas a combater o terrorismo.

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Em um de seus programas - o PRISM -, a NSA teria estabelecido um sistema de colaboração com grandes empresas de Internet, como Microsoft, Yahoo e Google, para ter acesso e armazenar as informações dos usuários desses serviços de forma automática. Isso inclui e-mails, mensagens de chat, vídeos, fotos, conversas de VoIP (como Skype) e arquivos transferidos.

No mundo todo, a notícia repercutiu de forma estrondosa, especialmente depois de se descobrir que a NSA não estava sozinha. Ainda de acordo com os documentos fornecidos por Snowden, no Reino Unido, a agência de inteligência GCHQ (Government Communications Headquarters) apareceu como parceira dos EUA em um acordo de cooperação, para também ter acesso às comunicações eletrônicas interceptadas pela NSA. O programa, chamado "Tempora", nunca foi expressamente admitido pelo governo britânico.

Indignadas com as informações, organizações de direitos humanos entraram com uma ação judicial no Reino Unido, questionando as atividades da GCHQ. A ação foi julgada pelo Investigatory Powers Tribunal ("IPT", ou Tribunal dos Poderes Investigatórios), que é uma corte dedicada exclusivamente a reclamações contra as agências de inteligência britânicas, e cujas decisões são sigilosas em vários casos.

Pela primeira vez nos seus quinze anos de existência, o tribunal reconheceu ter havido irregularidades na atuação de uma agência de inteligência. Apesar de ter mantido algumas de suas conclusões anteriores (afirmando que as atividades da GCHQ não são um esquema de vigilância ilegal), na última sexta-feira, o tribunal publicou uma nova decisão em relação ao caso. Nela, reconheceu que o programa violou garantias dos cidadãos ao não divulgar publicamente informações sobre sua existência, como tipos de dados coletados e limites do programa.

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Ou seja: os cidadãos têm direito de saber quais dados seus estão sendo coletados e como serão tratados. É uma questão de transparência e de estabelecer limites para que o Estado só colete realmente o que for necessário e proporcional, em casos determinados.

As organizações da sociedade civil que propuseram a ação, no entanto, continuam insatisfeitas e levarão o caso à Corte Europeia de Direitos Humanos - divulgar o que está sendo feito não é suficiente, afirmam, se houver vigilância ilegal.

Enquanto isso, nos Estados Unidos, o Judiciário parece encontrar dificuldade para apontar ilegalidades em programas de espionagem que pretendem proteger o país de ameaças terroristas. De acordo com a Reuters, um juiz da California decidiu ontem em favor da possibilidade de a NSA continuar a coleta desses dados sem necessidade de autorização judicial.

No Brasil, as revelações de Snowden levaram a presidenta Dilma Rousseff a tomar o assunto da privacidade como uma prioridade. Em 2013, Rousseff abriu a Assembleia Geral da ONU com uma fala sobre essa preocupação. Em 2014, realizou uma conferência global sobre governança da Internet (o NETmundial, em São Paulo), e, na abertura, sancionou o Marco Civil da Internet. No discurso, a prioridade de garantir a privacidade dos cidadãos brasileiros.

Apesar dessas iniciativas, o Brasil continua sem uma legislação específica de proteção de dados pessoais. Sem ela, é praticamente impossível começar a falar em controle tanto da coleta e transferência de dados realizadas pelas empresas de Internet, quanto do monitoramento e vigilância emplacadas pelo governo.

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Há mais de quatro anos, discute-se um anteprojeto de lei para cuidar do assunto. No último dia 28 de janeiro, o Ministério da Justiça colocou o texto desse anteprojeto em consulta pública, com a esperança de fazê-lo chegar ao Congresso em breve. Qualquer um pode opinar. A participação nesse debate é a chance de determinarmos os rumos dessa história do lado de cá.

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