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A internet no banco dos réus

WhatsApssédio

Por Mariana Valente
Atualização:

Por Dennys Antonialli, Francisco Brito Cruz e Mariana Giorgetti Valente

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Na semana passada, casos de assédio protagonizados por prestadores de serviço da operadora de TV a cabo NET causaram polêmica nas redes sociais. Uma jornalista revelou que, após recusar uma promoção por telefone, o funcionário com quem ela tinha falado fez contato por WhatsApp. Nas tentativas de chamar a atenção da jornalista, o atendente disse que ele teria "acesso a todos os dados do cliente". Prints da abordagem foram postados na Internet, colocando a NET em uma posição delicada. O caso incentivou outras mulheres a denunciar assédio e invasão de privacidade por parte de funcionários de empresas de telefonia, bancos e até restaurantes que trabalham com entrega.

O WhatsApp deixou muita coisa mais fácil. De grupos frenéticos de amigos e familiares a equipes de trabalho, o aplicativo (e outros semelhantes) tem reduzido a formalidade da antiga "troca de emails". Enviar uma foto de um documento vira algo instantâneo, dar notícias de uma reunião acontece em tempo real, e uma situação mais complexa pode ser explicada por mensagem de voz, quase que em substituição a um telefonema. Mas essa informalidade também pode ser mal utilizada, seja porque se confunde o que é adequado em cada espaço, seja porque alguns comportamentos problemáticos estão mesmo arraigados, dentro ou fora da Internet.

Um outro episódio aconteceu em Santa Catarina. Uma funcionária de uma empresa de artigos esportivos alegou na justiça ter sido reiteradamente assediada pelo seu gerente. Uma testemunha ouvida no caso revelou que o seu superior "tinha o hábito de, na frente dos demais empregados ou por intermédio de grupo criado no aplicativo conhecido como whats App Messenger, chamar a autora de gorda, feia, "bunda mole" e "bigoduda", bem como de fazer piadas do gênero 'tens tanta celulite porque? Sentasse na brita né?'" (sic).

A ex-funcionária buscou seus direitos, e pediu que a justiça trabalhista condenasse a empresa a indenizá-la pelos danos morais sofridos. A empresa defendeu-se dizendo que os funcionários que faziam parte do grupo viam tudo como brincadeira - e inclusive que a foto do grupo era uma montagem da tal ex-funcionária com um bigode.

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O Tribunal Regional do Trabalho, que julgou o caso, não aceitou os argumentos da empresa. Decidiu que o assédio moral era "manifesto" e que a ex funcionária merecia uma indenização em razão dos danos morais que ela sofreu. Fixou indenização em 10 mil reais.

A defesa da empresa lembra algumas das justificativas dos casos de assédio por WhatsApp que têm sido discutidos na mídia. "Apenas uma brincadeira"; "apenas um flerte". No caso da funcionária catarinense, o fato de as "piadas" acontecerem num grupo de trabalho faz com que não seja exatamente uma escolha participar do grupo, ou ainda que não seja simples mostrar insatisfação. Quem já teve que rir de uma piada sem graça do chefe sabe disso.

O caso da NET também diz respeito a uma situação de impotência por parte das mulheres que foram assediadas. Com seus telefones revelados pelas empresas que prestavam os serviços (e, portanto, sem ter tido escolha em fornecê-los), elas não tiveram como evitar ser abordadas e passar por esse constrangimento.

De tudo isso, uma conclusão simples: na rua, na praia ou no WhatsApp, o assédio é uma clara manifestação de uma cultura machista, que encara a mulher como disponível - seja para investidas sexuais indesejadas, seja para comentários gratuitos sobre o seu corpo. Mas há uma diferença importante. Diferentemente do assédio verbal, aquele que muitas mulheres já experimentaram nas ruas, o assédio que se dá nessas plataformas deixa registros. E, paradoxalmente, são esses registros desagradáveis que facilitam a sua divulgação, além de servirem de prova para os pedidos de reparação por essas atitudes.

Mas além de favorecer a solução de situações isoladas, registros como esses devem servir como evidência da necessidade de se encampar uma discussão mais séria sobre o machismo e a misoginia no Brasil. Sozinhos, nem o Judiciário e nem as empresas conseguirão equacionar questões que se misturam com a própria cultura do brasileiro. São práticas e discursos que, se estão se tornando mais perceptíveis, só vão ser mudados a partir de políticas públicas de conscientização e valorização da condição da mulher na sociedade. Esperamos que essa mensagem também seja entregue e lida.

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