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Inovação e cultura maker contada por mulheres

Sexo high tech: bom ou ruim para as mulheres?

Evitar a perpetuação de estereótipos ligados à mulher é um dos desafios que surgem com o aparecimento de novas tecnologias voltadas ao sexo.

Por Ana Paula Lima
Atualização:

 

Inovações tecnológicas que simulam a experiência sexual estão tão avançadas que há de chegar o dia em que perderemos a noção do que é real ou virtual. Skype e envio de nudes talvez se tornem coisa do passado. Fazer sexo à distância será possível com a ajuda de sensores que recriam o toque, brinquedos eletrônicos controlados pelo celular e óculos de realidade virtual. A questão que fica, no entanto, é de que forma o sexo high tech vai afetar a vida e a sexualidade das mulheres, uma vez que a tecnologia provoca mudanças substanciais na maneira pela qual as pessoas buscam atender suas necessidades mais básicas.

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Se o aperfeiçoamento de tecnologias para o sexo parece inevitável, é preciso que mais mulheres participem desse processo, seja empreendendo sozinhas ou trabalhando em conjunto com os homens. A participação feminina é importante não apenas para criar soluções para as mulheres, como também para evitar a perpetuação de estereótipos nas tecnologias que surgem.

Tecnologias produzidas por mulheres

Apesar de a indústria ser dominada por homens, há algumas mulheres desenvolvendo trabalhos na área.Duas delas são as americanas Alexandra Fine e Janet Lieberman, fundadoras da startup Dame. Por meio de protótipos feitos em impressoras 3D, elas chegaram a um novo tipo de vibrador que estimula o clitóris durante o ato sexual sem que ele precise ser manipulado com as mãos. No vídeo de divulgação do produto, as empreendedoras falam que o gadget busca corrigir as assimetrias no prazer sentido por mulheres e homens. "Eu percebi que se eu quisesse brinquedos melhores, era melhor que eu mesma os fizesse", disse Lieberman.

Aqui no Brasil, a designer e pesquisadora Rita Wu vem fazendo uma série de experimentações tecnológicas aplicadas ao corpo, como o desenvolvimento de extensores clitorianos e capacitativos para potencializar o prazer e permitir que a mulher experimente a sensação de ter um pênis. Rita tem estudado biotecnologia e trabalhado na formulação de perfumes biológicos que ajudam na atração sexual. Para ela, as tecnologias biológicas seriam um caminho para o desenvolvimento de inovações voltadas ao vínculo e à afetividade. E estas, claro, poderiam ser trabalhadas em conjunto com as inovações sexuais.

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Para Rita Wu, a tecnologia nos obriga a repensar o sexo e a explorar outras formas de expressão da sexualidade. ( Foto: Reprodução/FB)

A produção de novas tecnologias, no entanto, não é a única forma de quebrar paradigmas. Outra possibilidade é repensar o uso de ferramentas já existentes. Quem faz isso bem é Cindy Gallop, fundadora da startup MakeLoveNotPorn (Faça Amor e não Pornô). A ideia por trás do modelo de negócio é simples: os usuários postam conteúdo erótico na plataforma e recebem parte dos ganhos gerados pelos aluguéis dos vídeos. O MLNP se coloca como uma alternativa de referência visual à indústria pornográfica mainstream, ao trabalhar a desconstrução de estereótipos na seleção do material e a conscientização do que é sexo no dia a dia. Cindy esteve em São Paulo no fim do mês passado, onde coordenou um projeto para naturalizar a forma como falamos de sexo no Brasil.

Emojis do projeto #SexoNaReal, liderado por Cindy Gallop em São Paulo. Foto: Estadão

Mulher-objeto: até quando?

Problemas como a objetificação e a promoção de violência contra a mulher ainda são desafios e muitas das tecnologias aplicadas ao sexo reforçam estereótipos e padrões. Um exemplo são jogos de vídeo game de realidade virtual que oferecem como prêmio aos jogadores um final feliz (interprete como quiser) com as mocinhas que são salvas. Mais uma vez, a mulher aparece retratada como um troféu, cujo valor está atrelado ao grau de dificuldade imposto pelo jogo.

Além do mundo dos games, a indústria pornográfica é outra que vem investindo bilhões no aperfeiçoamento de tecnologias voltadas à simulação do sexo. Uma plataforma de conteúdo adulto lançou recentemente uma categoria de realidade virtual, que nada mais é do que uma forma de monetizar um tipo de conteúdo cuja oferta gratuita inibe o pagamento dos usuários. Outros produtos relacionados ao sexo já foram lançados pela mesma empresa, como um jogo para entrar em forma e uma réplica robotizada de um bumbum feminino que esquenta, vibra e massageia o órgão genital masculino. Não à toa estamos falando de duas indústrias dominadas por homens e que, por consequência, são mais propensas a criar inovações que desconsiderem o ponto de vista feminino.

Além de prazer, é importante notar que essas novidades prometem ainda uma fuga da incapacidade de controle das interações reais com outro ser humano. No sexo sem mediação da tecnologia, as pessoas muitas vezes ficam sujeitas a lidar com rejeição, frustração ou culpa. Além disso, esses artifícios podem ser um belo afago no ego. Ao vender às pessoas impressão de potência, as falhas e os constrangimentos naturais ao sexo podem se tornar ainda mais tabu.

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O sexo high tech tem originado ainda uma série de outros questionamentos. Alguns especialistas argumentam que essas tecnologias, em vez de criar conexão e intimidade, podem causar distração, já que o foco pode sair das pessoas envolvidas no ato e se concentrar no objeto. 

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Para Rita Wu, no entanto, a tecnologia oferece justamente o contrário. "Essas tecnologias facilitam a expressão da sexualidade, o que é fundamental para o conhecimento de si mesmo e do outro. Mas cabe também a nós pensar em diferentes usos aos que são dados a essas tecnologias. Por que não direcioná-las para transmitir emoções positivas em um filme pornô?", questiona.

Por muito tempo, a única função do sexo para as mulheres foi a reprodução. Só na segunda metade do século XX é que a questão do prazer começou a ganhar terreno. Com a possibilidade crescente de gerar um embrião dentro do laboratório, o sexo tende a ganhar outros propósitos. "A tecnologia nos obriga a repensar o sexo e a explorar outras formas de expressão da sexualidade. Surgem outras maneiras de transar. Esse caminho é desconhecido, mas não necessariamente ruim", afirma a pesquisadora. Pensar em aplicações que incluam a subjetividade feminina é ainda um grande desafio na produção de novas tecnologias, mas se as mulheres quiserem construir um mundo com base em valores distintos, sua participação é indispensável.

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