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Tudo sobre o ecossistema brasileiro de startups

Entenda o ecossistema de startups no Brasil

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Por Felipe Matos
Atualização:

Quando eu tinha 14 anos montei meu primeiro negócio digital. Naquela época, achava que tudo o que eu precisava para dar certo era dinheiro. Aí consegui um investidor e percebi que o buraco era mais embaixo. Além do dinheiro, precisava encontrar pessoas talentosas e qualificadas para construir soluções e entregar as diversas atividades e etapas do negócio. Procurei apoio numa incubadora de empresas ligada à Universidade Federal de Minas Gerais. Lá, eu encontraria muitas pessoas com competência nas áreas de tecnologia, design e administração de negócios.

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Assim, nasceu a primeira versão da minha percepção de ecossistema empreendedor, um conceito que vem da biologia e mostra que, para um ser vivo nascer, crescer e se desenvolver, ele depende de vários outros, que estão todos interconectados. Cada um provê ao outro os elementos necessários a sua sobrevivência. No empreendedorismo, não basta ter uma idéia se não houver talento e capital disponíveis. E esses elementos são oferecidos por outros agentes desse ecossistemas, no caso, investidores e academia, além da própria incubadora, que me ajudou a me conectar com estes agentes.

O tempo passou, minha empresa cresceu, veio a bolha da internet. Quebrei e acabei incorporado por outra empresa. Nesse meio tempo, a convivência na incubadora com outros empreendedores me mostrou que eu não estava sozinho nessa. Percebi que havia vários outros empreendedores vivendo as mesmas dores e perrengues. Ao mesmo tempo, via como o modelo da incubadora tinha limitações para ajudar esses empreendedores, que precisavam, mais do que apenas um escritório, mas apoio a gestão, desenvolvimento de produto, vendas, acesso a mercado, networking... Eles precisavam de apoio para acelerar o desenvolvimento dos negócios.

Assim, fundei, junto com outros empreendedores experientes, uma das primeiras aceleradoras de startups do Brasil, em 2002. O Instituto Inovação depois evoluiu como uma holding que criou várias empresas. Aceleramos diversas startups de tecnologia, como a Ecovec, Comunip e Rizoflora e aprendemos muito, sobre o que fazer e, principalmente, sobre como não fazer. Depois de cinco anos, escalamos o modelo de aceleração e para isso fomos buscar capital. Nos tornarmos co-gestores do Fundo Criatec, tendo sido aprovados em um edital de seleção pública do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que juntamente com o Banco do Nordeste, investiu R$ 100 milhões no fundo.

 Foto: Estadão

Desafios da regulação

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Montamos uma equipe de gestores por todo o Brasil e avaliamos mais de 2 mil startups para, depois, fazer 36 investimentos. Durante esse processo, os aspectos regulatórios da montagem de empresas no Brasil geraram grande aprendizado para mim. Para serem investidas por um fundo, as empresas precisavam se converter em sociedades anônimas, as famosas "S.A.s". Era preciso fazer uma due-dilligence, um processo de auditoria nas contas dos negócios, que geralmente revela todos os esqueletos no armário e problemas que a empresa pode ter de ordem societária, tributária, trabalhista e legal.

É de deixar os cabelos em pé, porque como quase todo empresário sabe, é muito difícil, quase impossível para uma pequena empresa, estar 100% em dia com todas as regras e exigências burocráticas, regras tributárias, que mudam o tempo todo. Soma-se a isso, regras específicas para empresas mais tecnológicas: alvarás, autorizações, registros. Vi de tudo, inclusive juntas comerciais em regiões menos centrais do Brasil que simplesmente não sabiam lidar com o registro de sociedades anônimas e criando dificuldades para "vender" facilidades, uma cultura lamentável, mas muitas vezes estabelecida em diversos órgãos da administração pública, que deveriam fiscalizar e garantir o cumprimento das leis. Era tanto papel, tantas idas ao cartório, tantos problemas a resolver... Houve casos em que investimentos foram mesmo inviabilizados, senão sensivelmente atrasados, por conta da burocracia.

Além disso, o custo de criação e gestão de uma S.A. é muito mais alto, se comparado a uma sociedade limitada, que apesar de mais simples, é bem mais frágil em questões como governança, separação de responsabilidades entre acionistas e gestores executivos, dentre outras bem importantes para uma startup, projetada para crescer. Outro problema é que uma S.A., mesmo que com baixo faturamento, não tinha direito a benefícios fiscais como o Simples, por exemplo, o que deixava o processo tributário bem mais complexo e custoso, logo de largada. Assim, uma startup inovadora, que acabava de nascer, mesmo sem faturamento, já precisava lidar com custos e processos de empresas gigantes, aumentando os já complicados desafios de se empreender.

Nesse momento, entendi mais um componente importante um ecossistema para o apoio a empresas inovadoras: um ambiente regulatório adequado.

Cultura de negócios

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Um ponto que me chamou muita atenção quando analisamos as mais de 2 mil de startups no Criatec, foi que 80% delas tinham soluções no universo digital, ou seja, ligadas ao setor de software e serviços de tecnologia da informação. Ao mesmo tempo, só 3 das 36 investidas eram desse setor. Tínhamos aí um gap enorme entre o perfil das empresas que buscavam o fundo procurando investimento e daquelas que efetivamente recebiam os recursos. Isso acontecia por vários fatores, especialmente pela ausência de suporte no Brasil nas fases bem iniciais do negócio, falta de investimento anjo (que é aquele primeiro investimento bem inicial quando o negócio ainda é uma ideia). Boa parte desses empreendedores precisava estruturar o básico antes de chegar a um fundo de investimentos, mas isso não acontecia porque não existia apoio para essa estruturação.

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Dalí surgiu a ideia de criar a Startup Farm, uma aceleradora focada em startups digitais e que iria ajudar empreendedores em fase inicial a estruturar e validar seu modelo de negócios e a buscar os primeiros investidores. A primeira coisa que eu fiz quando decidi criar a Farm foi viajar para o Vale do Silício, na Califórnia, EUA. Passei pouco mais de um mês por lá visitando aceleradoras, fundos de investimento e startups para entender como funcionava esse tipo de iniciativa no lugar que melhor faz isso no mundo.

E é então que mais um elemento surgiu na minha percepção de ecossistema. Um, que é difícil de explicar, mas fácil de perceber: a cultura. Estar no Vale do Silício, principalmente num momento em que quase não se falava de empreendedorismo no Brasil, era sentir fortemente essa cultura de colaboração, abertura e busca constante pela excelência. Também observei que empreendedores bem sucedidos se tornavam investidores e mentores das próximas gerações, alimentando um ciclo virtuoso desse comportamento. Lá, o empreendedor é visto como um modelo a ser seguido, correr riscos faz parte do jogo e falhar não é o fim do mundo. Empreendedores que tentaram e falharam no passado são valorizados por seu aprendizado.

Densidade

Outro aprendizado da estada no Vale do Silício foi sobre a importância da densidade num ecossistema. Me refiro à grande quantidade de empreendimentos num mesmo lugar. Ela cria demanda para todo um ecossistema em volta, que vai desde investidores a provedores de serviços, incubadoras, aceleradoras, advogados, designers, entre outros.

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Outro aspecto da densidade tem a ver com espaços físicos dedicados a abrigar vários desses empreendedores, gerando muitas trocas a partir da convivência diária. Pude ver os efeitos positivos desses ambientes por lá e os comprovo diariamente nos hubs de inovação aqui no Brasil, como o Campus - iniciativa do Google, o CUBO - do Banco Itaú e Redpoint e.Ventures e espaços de coworking, como os pioneiros Plug.co e ImpactHub, em São Paulo.

O encontro frequente com outros empresários e parceiros cria um ambiente super produtivo e propício para a geração de novos negócios.

Essa visão de ecossistema passou a me acompanhar em todos projetos em que participei e fez toda a diferença na Startup Farm, que com sua preocupação com educação dos empreendedores e formação de uma cultura de colaboração e espaços de troca, oferecendo no final do processo o acesso dos projetos a investidores anjo em um Demo Day. Todos os elementos dessa visão de ecossistema estavam cobertos ali, à exceção da regulação, que é competência exclusiva do poder público.

Foi então que em 2013 recebi um convite do Governo Federal dirigir o programa Start-Up Brasil, iniciativa do então Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação para apoiar financeiramente startups no País, em parceria com aceleradoras. Acredito que essa visão de ecossistema contribuiu muito para a forma como programa foi conduzido e para os resultados alcançados. Não se tratou apenas de oferecer capital a empreendedores selecionados, mas associá-lo a capacitação, espaços de trocas, de maneira conjunta com agentes que já estavam envolvidos no setor. Acredito que o Start-Up Brasil contribuiu bastante para o crescimento da cultura de empreendedorismo digital no Brasil, apoiando o fortalecimento de mais aceleradoras em todas as regiões do país.

Diversidade e impacto

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Embora eu estivesse trabalhando para o Governo, um programa público que pretendia apoiar empreendedores selecionados não tinha a capacidade de influenciar de fato o ambiente regulatório nacional. Para isso, seriam necessárias mudanças na legislação. Foi por isso que, após sair do Start-Up Brasil, busquei reunir lideranças de diferentes agentes do ecossistema brasileiro e juntos fundamos o Dínamo, uma associação sem fins lucrativos e apartidária, que busca a melhoria do ambiente regulatório e políticas públicas para estímulo ao empreendedorismo tecnológico no Brasil, promovendo diálogos com o poder público.

Quando fomos levantar a pauta de trabalho do Dínamo, os 5 elementos caíram como uma luva. Eles também haviam sido descritos pela ONG norte-americana Up Global (hoje parte da Techstars), num estudo internacional com os ingredientes necessários para um ecossistema de inovação saudável.

Contudo, faltava ainda um elemento: diversidade. Quando pensamos num País com o tamanho do Brasil e todos os seus desafios sociais, pensar política pública sem esse elemento, nos parecia perder uma oportunidade. Num mundo em que a tecnologia é dominada por poucos e onde empresários são em sua maioria homens brancos ricos, era preciso incluir esse elemento no diálogo. Isso sem contar nos impactos sociais positivos que o empreendedorismo tecnológico e as inovações promovidas por ele podem gerar. Assim, chegamos aos seis pilares de atuação do Dínamo e nosso visão sobre os elementos de um ecossistema inovador.

Futuro

Um ecossistema está em constante evolução. Participando de diversos encontros e iniciativas internacionais, como por exemplo a rede Startup Nations, tenho conhecido lideranças de ecossistemas de startups de diversos países no mundo todo. E isso me faz perceber o quanto temos sorte no Brasil por ter um grande mercado interno, que oferece espaço para crescimento de novos negócios.

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Países grandes como EUA, Canadá ou mesmo a União Européia (aqui vista como um mercado comum) também tem grandes mercados, porém outros como Israel, Chile, nações do Leste Europeu e diversos pequenos asiáticos, só para citar alguns exemplos, não têm a mesma sorte. Uma preocupação central para eles é como oferecer acesso a mercado a seus empreendedores, algo que mesmo em mercados maiores também pode ser muito aprimorado.

A cidade de São Paulo, por exemplo, perdeu várias posições no ranking do relatório de ecossistemas do Startup Genome 2017 -que lista as melhores cidades para se empreender startups de tecnologia -em parte pelo baixo nível de internacionalização de seus negócios. Criar mecanismos que facilitem o acesso a mercados é quase obrigatório em países com mercados pequenos, mas também dinamizador nos maiores e, sem dúvidas, será um dos elementos centrais na construção de ecossistemas mais saudáveis e maduros no futuro.

Ecossistema se faz com gente organizada

Esses elementos são uma boa visão de um ecossistema de startups, mas é fundamental entender que esses elementos só são possíveis a partir da atuação de agentes. Universidades e escolas formam talento; hubs de inovação, aceleradoras, incubadoras e coworkings promovem a densidade; investidores entram com o capital; governos com a regulação e todos juntos constroem uma cultura de negócios mais colaborativa e aberta. Há ainda entidades de fomento e organização e diversos prestadores de serviço que impulsionam o complementam esse ambiente.

O mais importante é entender ninguém sozinho é capaz de construir o ambiente perfeito. Ninguém é dono do ecossistema. Todos os elementos - e agentes - são complementares e interdependentes. Como na natureza, o sucesso de um depende do outro e precisamos, juntos, trabalhar para seu crescimento e desenvolvimento - onde todos ganham.

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