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Tudo sobre o ecossistema brasileiro de startups

Precisamos falar de diversidade nas startups

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Por Felipe Matos
Atualização:

Imagem: Flickr (wildrose115) Foto: Estadão

Muito tem se falado sobre o tema da diversidade no mundo dos negócios e tecnologia. Não é preciso muita sensibilidade para perceber que esse universo é predominante masculino e branco, e isso em um país onde a maioria da população é formada por negros e mulheres.

 

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Quando participei do painel "Radiografia das startups do Brasil", durante o evento CASE 2017, os dados apresentados mostravam que 4 em cada 10 startups brasileiras sequer tinham mulheres na equipe - painel esse, aliás, formado só por homens brancos, eu incluído.

 

O que acontece no ecossistema das startups não reflete o empreendedorismo geral no país. Segundo dados do Global Entrepreneurship Monitor (GEM) 2016 e do Sebrae, apresentados junto a uma pesquisa sobre empreendedorismo feita pelo Paypal e pela Mindminers, 51,5% dos empreendedores brasileiros são, na verdade, empreendedoras. Sim, as mulheres são maioria entre aqueles que empreendem no país. Uma maioria discreta, que reflete a ligeira maioria de mulheres na população do país. Sobre a questão étnico-racial não há dados, mas arrisco dizer que não deve ser muito diferente.

 

A questão aí é que o GEM considera como empreendedorismo todo tipo de atividade autônoma, independente do tamanho e até da formalização desses empreendimentos. A doméstica que trabalha como diarista, a senhora que vende pastéis, o dono da barraquinha de cachorro-quente, todos são empreendedores - e com toda dignidade, diga-se. Se, no quadro geral, os dados mostram a presença de empreendedores em equilíbrio entre os gêneros, quando vamos para o empreendedorismo de alto valor agregado, como o de tecnologia, vemos uma realidade totalmente diferente. A mesma desproporção acontece em espaços de poder, como a política e o alto escalão de grandes empresas.

 

Algumas perguntas e discussões são necessárias para entendermos o problema: por que existe essa discrepância? E porque devemos nos preocupar com isso?

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Começo pela segunda questão, com pesar, por constatar que, em pleno 2017, ainda tem muita gente que não entende a importância do tema. Pelo lado político, social e cultural, há uma questão de representatividade, pois uma parcela importante da população não está representada nos espaços de decisão, poder, promoção cultural e negócios. Isso reforça a invisibilidade social dessa parcela significativa da sociedade, assim como alguns estereótipos que só retroalimentam o problema.

 

Mas a promoção da diversidade não tem só a ver com justiça social. Mais do que a coisa certa a ser feita, um ambiente de trabalho diverso é também bom para os negócios. Isso porque a ausência de diversidade também torna invisíveis muitas oportunidades de negócios, que passam desapercebidas nas redações, governos, agências de publicidade e escritórios de startups e grandes empresas, simplesmente porque não tem ninguém lá com repertório de vida que permita percebê-las. A diversidade é, por definição, berçário criativo da inovação, que se traduz em melhor resultado para as empresas. Segundo estudo da consultoria McKinsey, que comparou a performance financeira de empresas mais e menos diversas em seus quadros de funcionários nos EUA, aquelas com mais diversidade tendem a ter performance 35% superior às demais.

 

Agora, tentando entender o problema, lembro-me que disseram no painel que participei que havia poucas mulheres em startups porque existiam poucas mulheres em cursos de tecnologia. Acho que essa resposta está longe de ser a raiz do problema. Afinal, por que há poucas mulheres na tecnologia e na alta gestão?

 

Vivemos numa sociedade majoritariamente patriarcal, que, historicamente, coloca a mulher em um papel submisso, ligado a cuidar do lar, da família e dos filhos, distanciando-a do mundo do trabalho. A publicidade muitas vezes retrata mulheres como objetos sexuais, posição que é diariamente reforçada pela indústria da moda e da beleza. Esse "papel da mulher" é reproduzido e reforçado o tempo todo, por vezes de forma inconsciente. Pense na criação das crianças. A menina é educada para ser princesa, brinca com bonecas e panelinhas. O menino, com carrinhos, foguetes e brinquedos de montar. Não é à toa que as engenharias estão cheias de homens. A falta de exemplos e os preconceitos desestimulam a entrada de mais mulheres em espaços ligados a tecnologia e alta gestão. E é claro que esse "papel feminino" é socialmente construído, nada tendo a ver com as reais capacidades ou limitações do gênero.

 

E o que dizer dos negros? Vivemos no último país ocidental a abolir a escravidão e que, cinicamente, finge não ser racista. Aqui, a questão racial é também socioeconômica. No Brasil, existe uma correlação direta entre a cor da pele e a concentração de riqueza. Segundo o IPEA, em 2009, a renda média de negros no Brasil foi 77% inferior à dos brancos. Os negros são maioria nas comunidades periféricas e acabam mais expostos às mazelas da pobreza, incluindo maior exposição à violência e criminalidade. Aqui, a injustiça histórica acaba criando e reforçando estereótipos de "coisa de preto", como se raça definisse competência, índole ou capacidade.

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Não posso deixar de dizer que, do alto dos meus privilégios como homem branco, mal consigo imaginar as dificuldades de ser negro ou mulher num mundo machista e racista, o que não me impede de me solidarizar com suas lutas por equidade.

 

Pois muito bem, já entendemos a importância do tema e algumas das suas causas. Agora, o que podemos fazer para lidar com essa questão e tentar amenizá-la? Como empreendedores de startups, líderes em inovação, muita coisa. Listo aqui algumas delas:

 

Políticas de contratação e promoção

É claro que não dá para discutir competência na contratação. Mas muitas vezes, a questão da diversidade passa em branco nos processos de seleção (com o perdão do trocadilho), e é aí que podemos fazer a diferença. Fazer um esforço para recrutar candidatas(os) diversos é importante para manter um ambiente interno mais saudável e inovador. Esse esforço não significa baixar a régua da competência, mas sim intensificar e diversificar as formas de busca por candidatos de diferentes perfis.

 

Políticas salariais

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Mulheres ainda ganham menos que homens, no mundo inteiro, mesmo ocupando os mesmos cargos e funções. Segundo pesquisa da Catho realizada esse ano, as diferenças em alguns cargos chegam a 62,5%. Mas você não vai deixar isso acontecer na sua startup, não é? Garantir uma política de salários justa, baseada apenas na competência, é papel de todo(a) empreendedor(a).

 

Licença paternidade

Nossa sociedade coloca sobre a mulher quase toda a responsabilidade pela criação dos filhos. E isso é reforçado quando a legislação dá aos pais apenas 7 dias de licença paternidade, deixando a mãe sobrecarregada na criação dos filhos. Muitas empresas têm reviso esta prática e equiparando as licenças para homens e mulheres, permitindo uma divisão mais justa de tarefas domésticas e não discriminando outras configurações familiares. Sua startup pode fazer isso também.

 

Realização de eventos

Startups muitas vezes realizam e participam de eventos, onde o que é falado torna-se referência. Pensando nisso, vale fazer um esforço para, dentro do possível, apresentar referências mais diversas dentre os palestrantes ou ao montar um painel de discussão, por exemplo. Na maioria das vezes, existem sim mulheres e negros com domínio do tema, basta procurar. Não se trata aqui de preencher cotas só para constar, mas sim de buscar mostrar que existem referências com perfil diverso em todas as áreas. Trata-se de um incentivo para que a diversidade nessas áreas aumente, até o ponto em que não será mais preciso pensar nisso.

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Ações de Publicidade

Como as peças publicitárias e mensagens da sua empresa lidam com a questão? As imagens dos comerciais apresentam apenas homens brancos nas posições de sucesso e liderança? Talvez seja a hora de começar a rever esses conceitos.

 

Ações de responsabilidade social

A sociedade não muda sozinha. É difícil contratar mulheres programadoras porque, de fato há menos delas, proporcionalmente aos homens. Mas você pode incentivar essa mudança, promovendo e patrocinando ações de treinamento para elas, por exemplo. Há várias iniciativas bacanas de afirmação, promoção e formação de grupos provenientes de minorias que podem ser promovidas ou apoiadas por sua empresa. Que tal apoiar iniciativas que incentivem o estudo de ciências exatas de igual maneira por meninos e meninas? Ou o ensino de tecnologia para alunos de comunidades de baixa renda?

 

Atenção aos vieses inconscientes

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Você sabe o que é um viés inconsciente? Como o nome diz, é quando, inconscientemente, valemo-nos de preconceitos ao julgar uma situação, mesmo sem percebermos. Acontece quando homens, quando estão em reunião com mulheres, tendem a explicar exageradamente um ponto ou ideia, para que elas compreendam (porque, por ser mulheres, elas não entenderiam facilmente). Ou quando nem se cogita incluir uma mulher que acabou de chegar da licença maternidade para uma promoção, assumindo que ela não irá querer (ou poder) assumir mais responsabilidades. Ou ao vermos uma negra chegar bem vestida em um ambiente de trabalho corporativo e presumimos que se trata de uma estrangeira. O viés inconsciente é natural ao ser humano, funciona de forma sutil, por associação, mas precisamos estar atentos e refletir sobre certas visões e decisões, evitando julgamentos precipitados.

 

Está na hora das startups passarem a enxergar a necessidade de mais pluralidade, e é preciso termos a consciência que ela não virá naturalmente, pelo menos não na velocidade necessária. É preciso agir.

Fontes: Raio-x das Startups Brasileiras - Pesquisa da Accenture e ABSGlobal Entrepeneurship MonitorPesquisa de perfil de empreendedores da Paypal e MindminersIPEA: Retrato das desigualdades de gênero e raçaPesquisa Catho sobre desigualdade salarial

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