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Máquinas e aparelhos

A questionável promessa do som em 'alta resolução'

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Por Camilo Rocha
Atualização:

Muito se fala sobre os incrementos em qualidade de imagem que a tecnologia tem nos proporcionado. O HD 1080p vai se tornando um item normal nos celulares, enquanto as telas maiores se familiarizam com o 4K (e, logo mais, o 8K).

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Com menos ibope, mas não menos interesse para apreciadores de um bom som, estão as notícias de produtos que investem na "resolução" do áudio.

No começo deste ano, dois aparelhos de áudio de "alta resolução" foram anunciados: o tocador Pono, empreendimento do músico Neil Young, e o Walkman NW-ZX2, nova encarnação da clássica marca de tocadores de música da Sony.

Em 2014, tivemos a chegada de plataformas de streaming especializadas em áudio de qualidade, como Tidal e Qobuz, e a estreia (nos EUA) do Deezer Elite, categoria do serviço só para música "com qualidade de CD ou superior".

Nos últimos quinze anos, o ouvido coletivo se acostumou com o som "incompleto" do MP3, que sacrificou frequências para conseguir um arquivo mais leve e compacto.

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O produtor musical Dudu Marote, que tem no portfólio álbuns de bandas como Skank e Jota Quest, exemplifica como diferença entre a experiência de áudio MP3 e o áudio na íntegra a reprodução do estéreo, ou seja, o "espaço" auditivo de uma música, em que o ouvido pode identificar sons mais à esquerda, direita, no centro, ou passando de um lado para outro. Para o produtor, o MP3 empobrece essa "espacialidade".

Se o MP3 piorou o som, por outro lado, bilhões de músicas puderam ser baixadas e compartilhadas com facilidade em todo o mundo.

Agora, entretanto, as bandas estão mais largas, o 4G se dissemina e nossos depositórios têm muito mais gigabytes. Ficou bem mais viável lidar com os arquivos dez vezes mais pesados do áudio "completo". Podemos voltar ao som que se ouvia no CD ou vinil.

Ou então manejar o tal áudio de "alta resolução", prometido como superior ao CD. A ideia parece atraente na teoria. Se a resolução do vídeo aumenta, por que não a do áudio?

Em seu Pono, que custa US$ 400, Neil Young promete áudio de 24-bit e 192 KHz. Está até remasterizando sua discografia nessas especificações. O novo Walkman da Sony, três vezes mais caro, vai na mesma toada, oferecendo parâmetros "mais altos" que os do CD.

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É preciso, porém, muita cautela com a empolgação do pessoal do marketing. O problema é que os parâmetros técnicos propagandeados por esses produtos são nada mais que numerões para impressionar leigos. Eles não têm qualquer utilidade na vida real.

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A vasta maioria das gravações musicais digitais usa os parâmetros de 16-bit e 44 kilohertz. "Raramente usei 24-bit em gravações", explica Marote. A frequência de 192 kilohertz está muito acima do espectro passível de ser captado pela audição humana, que tem como teto 20 kilohertz (frequências mais agudas). Em outras palavras, são incrementos no som que o ouvido provavelmente não conseguirá acusar.

O site da fundação Xiph.org, que desenvolve sistemas de multimídia gratuitos e abertos, como o Flac, é taxativo sobre esses produtos: "Uma solução para um problema que não existe, um modelo baseado em ignorância proposital e na enganação de pessoas".

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