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Inovação e Tecnologia

Como viver o luto nas redes sociais?

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Por Ligia Aguilhar
Atualização:
 

Uma das partes que eu mais gosto no livro Opção B: Encarando a adversidade, construindo resiliência e encontrando alegria -- lançado recentemente pela vice-presidente de operações do Facebook, Sheryl Sandberg -- é um trecho no qual ela relata a irritação que sentia quando as pessoas evitavam conversar com ela sobre a morte do seu marido. Quando em vez de perguntar como ela estava, as pessoas escolhiam falar sobre temas triviais como a previsão do tempo, ela conta que sentia vontade de responder: "Sim. A temperatura tem estado esquisita com toda essa chuva e morte." Ela queria falar sobre o tema, mas ninguém tinha coragem de tocar no assunto.

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Na semana que vem, completa-se cinco meses do falecimento do meu pai, um acontecimento gigante na minha vida não apenas pela partida dele, mas também porque ele se foi 11 anos após a morte da minha mãe. Hoje, aos 31 anos de idade, eu ganhei um novo título que eu nunca sonhei em ter. Sou órfã. E, assim como a Sheryl Sandberg, quando alguém me pergunta de forma protocolar como eu estou, minha vontade também é de ironizar e responder: "Eu estou bem órfã."

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A minha nova condição de vida enquanto órfã ou os detalhes dos cinco meses de luto pela partida do meu pai não estão no Facebook. Minha última viagem de férias, por outro lado, está lá em detalhes.

Eu lembro que, nos primeiros dias de tristeza mais intensa após o falecimento do meu pai, eu cheguei a me sentir incomodada com a vida que seguia normal nas redes sociais. Meu mundo estava em frangalhos. Mas o último meme do momento, a última notícia bombástica, a última foto do prato de comida do restaurante da moda continuavam lá. Entre as coisas que aprendemos com o luto está a triste realidade de que o mundo não pára para o seu sofrimento -- seja o mundo real ou o virtual.

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Como compartilhar o luto nas redes sociais?

Eu anunciei a partida do meu pai no Facebook e, assim como de costume, recebi muitas mensagens de condolências. Os amigos mais próximos estiveram em contato comigo e vieram ao velório, mas o silêncio que veio depois e a normalidade do dia-a-dia me irritaram tanto, que eu me lembro de ter pensado em publicar um acontecimento no Facebook.

Assim como alguns marcam que estão em um relacionamento sério ou que tiveram um filho, eu senti vontade de colocar no Facebook o seguinte acontecimento: "ficou órfã." E, sim, o Facebook tem uma opção para isso. Por que não a usamos?

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A minha tristeza parecia não caber na realidade das redes sociais, marcada por tantos momentos felizes e posts cheio de opinião. Expressar a minha dor parecia um pedido de atenção desesperado demais, embora, convenhamos, às vezes aquela tradicional selfie carrega conotação semelhante.

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Eu moro fora do país. Consegui viajar para o Brasil para o velório do meu pai, mas tive que voltar no dia seguinte para os EUA para lidar com outras questões urgentes. Dois dias depois estava longe da minha famíla, de volta ao trabalho e órfã. É claro que eu estava carente. Mas como contar isso nas redes sociais? Por que a carência por trás daquela selfie parece normal e o luto não?

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Depois de muito pensar na questão, concluí que provavelmente o motivo da minha sensação de desconforto com as redes sociais era o fato de que nessas plataformas refletimos muitos dos comportamentos que temos na vida cotidiana. E a verdade é que não sabemos lidar com o luto.

Minha psicóloga sempre me diz que é saudáve dizer para as outras pessoas o que você sente e precisa para que elas entendam as suas necessidades e possam te oferecer o apoio que você precisa. No caso do luto, porém, minha resistência em procurar as pessoas para falar sobre o tema vinha de uma frustração frequente com as respostas que eu recebia toda vez que tentava desabafar com alguém.

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O olhar de desespero da outra parte ao me ouvir falar sobre o assunto (talvez por imaginar que eu iria cair no choro a qualquer momento, ou pela própria dificuldade de imaginar viver algo semelhante na sua vida) ou os comentários cheios de boa intenção, mas extremamente infelizes, como "foi melhor assim", "vai dar tudo certo e "você é forte", são frustrantes. Eu sempre quero falar sobre o tema, sobre a perda, sobre os meus pais. Mas o incômodo frequente de quem está do outro lado e tenta mudar de assunto me faz desistir.

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É assim na vida cotidiana e é assim na internet.

Postei, cheia de culpa, um link qualquer no Facebook alguns dias depois da morte do meu pai. Era o anúncio de uma vaga de emprego na empresa na qual trabalho. Me senti mentindo para o universo. Eu só queria falar sobre o meu pai, mas estava lá, no Facebook, fingindo que a vida seguia sua normalidade. Parecia o certo a ser feito.

O poder de uma simples mensagem 

Muitos amigos me escreveram quando meu pai faleceu, mas muitos também escolheram se afastar e ficaram quietos nas semanas seguintes. Muita gente inocentemente acha que dar espaço para quem está enfrentando o luto é importante. Na verdade, essa é uma concepção errada na maior parte das vezes. Essa é a hora em que mais precisamos de gente ao nosso lado.

Depois que perdi a minha mãe, passei a escrever mensagens cuidadosas para os amigos e conhecidos que perdiam um ente querido. Minha oferta de um ombro amigo pra chorar e as perguntas sobre a pessoa que partiu nunca foram em vão. Eu sempre recebo de volta mensagens muito agradecidas, cheias de detalhes, cheias de desabafos. As pessoas quase sempre querem falar sobre o momento, sobre a tristeza que estão sentindo e sobre quem partiu.

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Sempre há quem prefira o silêncio, mas estou convencida de que essa é uma minoria. Na dúvida, pergunte. Uma, duas, três vezes.

Na hora do luto nós precisamos de apoio e esse apoio não vem pelo silêncio. Ele vem quando o outro demonstra ter capacidade de te escutar e validar seus sentimentos.

Minha maior fonte de apoio nos últimos meses foram três amigas que estão no Brasil e conversam comigo por mensagens nas redes sociais. As três perderam os pais e uma delas é órfã como eu. Nós checamos como a outra está, trocamos comentários sarcásticos, tristes e felizes. Elas não se assustam quando eu digo que em alguns dias a vida não faz sentido ou que eu sinto raiva do mundo. O que eu encontro nelas é a validação. Todas sentiram e ainda sentem emoções distintas causadas pelo luto. E me conforta o fato de elas simplesmente dizerem que me entendem e dividirem, por vezes, lembranças de momentos nos quais tiveram emoções parecidas.

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Quando a vida de quem está em luto segue nas redes sociais

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Passados quase cinco meses, estou me sentindo um pouco melhor do que antes, mas ainda tenho muitos altos e baixos. Foi por isso que me encheu de tristeza quando um amigo do trabalho aqui nos EUA comentou suas impressões sobre a minha vida com base no Instagram.

Com a chegada do verão, eu passei a ir todos os finais de semana para a praia, que fica a alguns quarteirões da minha casa aqui em Chicago. Ir para a praia tornou-se um programa terapêutico para mim. Muitas vezes fui sozinha para pensar na vida. Outras vezes fui com amigos para me divertir. Em alguns dias sorri. Em outros, chorei.

Eu sempre tiro alguma foto ou faço um vídeo da paisagem quando vou para a praia. E foi esse o fato que chamou a atenção do meu amigo. Ele concluiu que, porque eu estava sempre na praia aos finais de semana, esse era um sinal de que eu "estava tendo o momento mais feliz da minha vida no verão daqui de Chicago".

Eu postei muitas e muitas fotos do meu pai nas semanas após ele falecer. Mas foram as fotos da praia, que vieram depois, que chamaram a atenção do meu colega de trabalho. E eu me senti novamente vivendo uma vida de mentira nas redes sociais. Eu preferia que ele tivesse notado as fotos do meu pai e conversado comigo sobre o que aconteceu.

Não que eu não tenha tido muitos momentos felizes na praia nesses dias de verão. O problema é a nossa concepção de que luto e tristeza significam que alguém vai chorar 24 horas por dias, entrar em colapso quando falar sobre a pessoa que partiu e preferir o isolamento social.

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O luto e a saudade têm muito mais nuances do que essas. Eles podem te fazer chorar um dia, do nada, no meio do supermercado (aconteceu comigo), te deixar anestesiado em uma data especial como o dia das mães ou dos pais, e te fazer sorrir com uma lembrança boa em uma manhã qualquer.

Não se deixe enganar pela foto no Facebook ou no Instagram. Se alguém próximo a você perdeu um ente querido, use as redes sociais para estar mais perto dessa pessoa. Pergunte como ela está não só após o momento da perda, mas também nas semanas e meses seguintes.

Pergunte como está a rotina da pessoa, escute o que ela tem a dizer e valide os sentimentos dela. Não diga frases feitas como "tudo isso vai passar". Os 11 anos da morte da minha mãe me ensinaram que a dor não vai embora, ela se transforma. E continua atingindo a gente em ondas, algumas vezes mais fortes, outras horas mais fracas.

Lembre-se de oferecer ajuda. Chame o seu amigo pra sair. Faça algo especial para ele ou, se estiver longe, pergunte diretamente: como você está lidando com a partida daquela pessoa querida? Como está sendo esse processo para você?

Há mais gente precisando de colo na internet do que os olhos podem ver.

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Das minhas descobertas recentes, uma das favoritas é um grupo no Facebook relacionado ao livro Opção B, da Sheryl Sandberg. A ideia do grupo é promover um espaço no qual todos possam compartilhar a sua dor e se apoiar. São mães, pais, filhos, avós, maridos, esposas de todos os lugares e idades compartilhando suas experiências de luto e as inúmeras emoções que sentem em decorrência disso.

Todos os dias há centenas de pessoas nessa comunidade pedindo um afago, compartilhando um grito de socorro, tentando desabafar e reclamando que o mundo não as escuta. Talvez alguma delas seja seu um amigo seu. Há muita gente nas redes sociais precisando de um afago. Não se deixe enganar pela última selfie.

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