PUBLICIDADE

Foto do(a) blog

Inovação e Tecnologia

Sobre mulheres, tecnologia e perfeição

No dia da mulheres, uma reflexão sobre o desafio das mulheres dentro e fora do mercado de tecnologia

Por Ligia Aguilhar
Atualização:

CREDITO

 

PUBLICIDADE

Na semana passada, me vi em uma situação curiosa. Diante da possibilidade de participar de um novo projeto que envolve o desenvolvimento de tecnologia, fui me aconselhar com um dos meus professores no mestrado. Minha questão era o quanto eu conseguiria participar daquele projeto mesmo sem ter terminado minhas aulas de programação.

Eu escrevi há alguns meses aqui no blog sobre o meu encantamento com o processo de aprender a programar. Comecei com HTML e CSS, que são linguagens de marcação usadas para criar páginas na internet, e agora vou começar a aprender JavaScript, que é de fato uma linguagem de programação.

Mas apesar de feliz por ter percebido que sou capaz de aprender a programar, eu ainda estava insegura se o meu conhecimento seria bom o suficiente para aquele projeto. Enquanto eu falava para o meu professor coisas como "não estou certa de que vou conseguir", "tenho medo de não aprender só com a prática" e "ainda não sei fazer tudo muito bem", ele me encorajava a participar do projeto dizendo que eu só aprenderia algumas coisas fazendo e que eu não deveria ter medo de errar, porque esse processo de tentativa e erro seria mais valioso do que qualquer aula prática.

::Siga-me no Twitter::::Curta a página do blog no Facebook:: 

Publicidade

Eu fiquei pensativa depois do encontro, porque percebi que basicamente havia demonstrado uma insegurança que nem eu mesma havia me dado conta de que tinha. Logo eu, que sempre sou da turma do "vamos"em qualquer situação, estava me colocando voluntariamente em uma posição de inferioridade quando ninguém me via dessa forma. De onde veio essa insegurança?

Uma questão de educação

Ontem me deparei com um vídeo com o qual me identifiquei de imediato e que gostaria de compartilhar neste dia da mulher. Trata-se de uma palestra em uma conferência TED realizada por Reshma Saujani, criadora da organização Girls who Code, que promove uma série de ações para aumentar o número de mulheres na área de ciências da computação (veja o vídeo completo abaixo, ao final do artigo).

Em sua palestra, Reshma fala sobre uma questão que acomete mulheres no mundo inteiro e que provavelmente estava por trás do meu surto de insegurança: somos criadas para ser perfeitas, não corajosas. E quando demonstramos nossa coragem (sim, porque ela existe de sobra na maioria das mulheres que conheço!), geralmente recebemos um reforço negativo.

Reprodução

Publicidade

 Foto: Estadão

Ao contrário dos meninos, que desde a infância são estimulados a explorar e arriscar, mulheres são ensinadas a se comportar, serem cuidadosas e buscar a perfeição para serem aceitas.

PUBLICIDADE

Quando crescemos, buscamos opções seguras por medo de arriscar e falhar, porque se não conseguimos resultados quase perfeitos, somos julgadas e criticadas. "Tinha que ser mulher", vão dizer. É por isso que muitas mulheres fogem das ciências da computação.

Ela cita uma pesquisa da HP: enquanto homens se candidatam a um emprego mesmo se só atenderem a 60% dos requisitos para o cargo, mulheres só fazem o mesmo se acharem que se enquadram em 100% dos requisitos.

No caso dos estudantes de programação, há outra diferença entre os gêneros: enquanto os meninos buscam o auxílio dos professores quando estão com dificuldade dizendo "que há um problema no seu código", as meninas frequentemente dizem que "há algo errado com elas".

Por isso, Reshma defende uma mudança radical na forma de educar mulheres. "Ensinem para meninas coragem, não perfeição".

Publicidade

Afinal, como ter mais mulheres trabalhando em uma indústria que exige inovação e risco se somos desestimuladas a ser ousadas e corajosas?

O que acontece quando não somos perfeitas

Quando Reshma fala sobre mulheres na tecnologia, ela acaba tocando em questões que afetam as mulheres em toda a sociedade. A maioria das mulheres são, sim, muito corajosas. O problema é que a sociedade nos condena por nossa coragem, porque isso geralmente implica o risco de não ser "perfeita".

Mulher vive com medo de ser julgada o tempo todo. Porque no fim do dia nós é que somos consideradas mães ruins se trabalhamos fora e não damos atenção suficiente para os filhos. Nós que somos chamadas de gananciosas e individualistas se focamos nossas energias na carreira e não priorizamos casar e ter filhos. Nós é que somos chamadas de fúteis se cuidamos da aparência e de desleixadas se não nos preocuparmos com a roupa que vestimos ou em usar maquiagem. Nós é que somos chamadas de mandonas e geniosas se tomamos atitudes mais assertivas. Nós é que trabalhamos o mesmo número de horas, mas ganhamos menos que os homens.

Se olharmos na tecnologia, o mundo idolatra ícones como Elon Musk, Steve Jobs, Mark Zuckerberg, mas condena as mulheres que agem como eles. Quando uma mulher fala o que pensa e defende os seus direitos é chamada de "feminazi" e geniosa, e não considerada um exemplo de inteligência e de liderança.

Publicidade

Aliás, eu acredito que uma das maiores dores das mulheres da minha geração é a falta de valorização dos nossos atributos intelectuais. Quando não tem alguém insinuando que você conquistou algo pela sua beleza, e não pela sua capacidade, tem alguém usando qualquer pequeno detalhe com o qual não concorde para dizer que, no fundo, você não é tão boa assim.

No ano passado, ouvi de uma pessoa querida uma crítica ferrenha por causa de uma palavra que usei em determinado contexto e que ele, de acordo com seus critérios pessoais, não achou adequada. Em vez de uma crítica construtiva, o que ouvi foram afirmações que questionavam a minha capacidade intelectual e todos os meus gostos pessoais, em um momento em que eu estava feliz porque tinha acabado de ganhar duas bolsas de estudo para fazer mestrado no exterior.

O autor da crítica ainda me disse que sabia que eu era "uma mulher com opiniões fortes demais para ser influenciada" pelas ideias dele. Demorou semanas para eu digerir a situação e entender que a resposta para isso deveria ter sido "ainda bem". Afinal, eu não apenas tenho o direito de escrever a palavra que quiser sem ter todos os meus valores pessoais questionados, mas também não tenho obrigação de ser perfeita. Críticas são bem-vindas, mas ataques pessoais com o intuito de destruir sua autoestima, isso é geralmente reservado para as mulheres.

Divulgação

 

O que acontece quando mulheres arriscam e assumem posições mais assertivas? Elas são chamadas de mandonas, metidas, grossas, inadequadas. Nós deixamos de ser perfeitas. E a mulher perfeita na nossa sociedade, infelizmente, costuma ser aquela que evita o confronto e o protagonismo.

Publicidade

E se esses argumentos ainda não foram suficiente, tenho mais um motivo para explicar o que acontece quando a mulher não é "perfeita"aos olhos dos homens. Acompanhe o Twitter do Estadão hoje, que está promovendo uma das campanhas mais incríveis neste dia da mulher. A cada sete minutos uma denúncia de violência contra a mulher é registrada no Brasil. Por isso, a cada sete minutos o Estadão está tuitando um caso de violência doméstica.

Meus desejos neste dia da mulher

Nesse dia da mulher eu desejo que todas as mulheres dentro ou fora do mercado de tecnologia tenham mais e mais coragem de ser menos perfeitas e de assumir os riscos necessários para fazer o que sonham.

Eu também desejo que mais mulheres venham para a tecnologia e ajudem a construir um mercado com mais diversidade, ferramentas que ajudem a empoderar outras mulheres e a lutar contra o preconceito, discriminação e a desigualdade de salários.

Nós precisamos de mais mulheres na tecnologia para ter jogos de videogame menos sexistas e mais inclusivos, soluções tecnológicas que sejam pensadas para as mulheres e nos ajudem a lidar com questões do gênero, e empresas mais amigáveis para mulheres com filhos.

Publicidade

Há um mito de que tecnologia é uma coisa restrita a homens, de que programação é algo que precisa ser aprendido na adolescência. Eu acabo de completar 30 anos de idade e estou fazendo minhas primeiras aulas de programação. Acredito que é possível em qualquer idade aprender novas habilidades e descobrir novos talentos. Se joguem, sem medo.

Que neste e em todos os outros dias não nos falte coragem. Não, nós não precisamos ser perfeitas. Obrigada pela reflexão, Reshma!

Veja o vídeo completo:

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.