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Inovação e Tecnologia

O que aprendi criando minha primeira startup

Empreender na área de tecnologia é o sonho de muitos, mas após viver a experiência de abrir o meu próprio negocio, conheci as dores e delicias de ser empreendedor

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Por Ligia Aguilhar
Atualização:

 

Eu era uma recém-chegada na redação do Estadão quando fiz minha primeira reportagem sobre empreendedorismo digital. De lá para cá, foram cinco anos escrevendo sobre startups do Brasil e do mundo, entrevistando grandes líderes de empresas de tecnologia e visitando grandes centros de inovação como o Vale do Silício, Coreia do Sul e Canadá. Também li muitos livros sobre o tema, assisti dezenas de palestras sobre empreendedorismo e participei de vários eventos. Fui picada pelo tal "bichinho do empreendedorismo" e, neste ano, me matriculei em uma disciplina do meu mestrado aqui nos EUA na qual os alunos devem criar suas próprias startups ao longo de seis meses.

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Achei que com todo essa experiência o processo seria relativamente "fácil", mas aprendi que se você quer saber como criar uma startup, é melhor você deixar os livros e eventos de lado e colocar a mão na massa. Não que informação não possa ajudar, pelo contrário, mas ainda que você saiba muito do assunto na teoria, nada te prepara para os imprevistos que surgem quase que diariamente quando você empreende na prática.

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Minha startup até agora foi um sucesso e um fracasso. Mas sou extremamente grata por todos os erros porque eles me ensinaram mais do que qualquer aula do mestrado. É por isso que entendo completamente a cultura americana que tanto louva a falha. Se você não partir para a ação para conhecer como as coisas funcionam de verdade, errar e aprender com seus erros, sinto muito, mas serão grandes as chances do seu negócio dar errado.

No caso da minha experiência, tenho a sorte de estar passando pelo processo enquanto ainda estou na universidade (ou seja, não estou com toda a pressão financeira e profissional nas minhas costas). Tenho professores que atuam como mentores e ensinam todo o processo de desenvolvimento de startup pela metodologia "Lean" e aconselham as startups formadas pelos alunos ao longo do caminho.

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Passados os primeiros três meses da disciplina, as nove startups criadas dentro da sala de aula apresentam seus projetos para uma banca de investidores, que incluiu profissionais de grandes empresas de tecnologia aqui dos EUA, como o Google, Titan Aerospace, eBay, entre outras.

O processo todo foi tão desafiador e me ensinou tanto, que resolvi listar aqui meus aprendizados e dificuldades ao longo do processo. Não para desencorajar quem sonha em empreender ou já empreende, mas para contar que como tudo na vida, empreender não é feito só de momentos felizes. E que isso pode ser muito bom.

Ligia Aguilhar

 

Invista em algo que você realmente ame fazerO meu grupo é formado por seis pessoas de áreas completamente diferentes. Nos unimos, animados, pela paixão que todos dividiam por criar um negócio que mais do que valor financeiro, gerasse um valor social. Nosso otimismo durou duas aulas. E nossa ideia inicial de negócio, que envolvia realidade virtual e jornalismo, se transformou, ao fim de três meses, em um sistema para ajudar os alunos da universidade a comprar e vender livros e objetos, após constatarmos algumas limitações para colocar em prática o projeto inicial. O problema é que embora esse fosse um mercado com mais potencial, a maioria do grupo não tinha muita intimidade com esse segmento. Resultado: desânimo, baixo comprometimento com o projeto e, ao menos uma vez, todos os membros pensaram em abandonar o time. A questão foi superada, mas fica a lição: não invista em um mercado que você não conhece ou gosta ou isso afetará os seus resultados e a sua satisfação.

Escolha bem seus cofundadores O time da minha startup foi formado a partir dos alunos matriculados no mesmo curso que eu na universidade, o que por si só coloca algumas limitações. Eu tentei tomar o cuidado de me unir a pessoas com ideais parecidos com os meus e isso foi muito bom por um lado, porque todos são norteados pelos mesmos valores na hora de pensar no projeto. Por outro lado, as diferenças de idade, curso, nacionalidade e a própria falta de intimidade tiveram impacto quando nossa primeira ideia não deu certo e resolvemos mudar o projeto completamente. Enquanto um queria construir um aplicativo, outro queria criar um hardware. Enquanto uns queriam que o projeto resultasse em portfólio ou em uma startup que realmente pudesse ir ao mercado, outros encaravam o projeto como um trabalho normal da faculdade. Alguns aceitaram as falhas normalmente, enquanto outros entraram em pânico e quiseram desistir diante dasprimeiras dificuldades. O meu grupo sobreviveu ao início turbulento e, estranhamente, essas experiências todas nos ajudaram a nos unir ao longo do tempo, mas gastamos muito tempo resolvendo problemas internos e em uma futura empreitada eu certamente tentaria evitar este desgaste e escolher pessoas que eu conhecesse melhor.

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Liderança é fundamental Nossa preocupação inicial era fugir de uma estrutura hierárquica que travasse o nosso trabalho. Embora cada membro do grupo tivesse uma função específica, em uma startup todo mundo acaba fazendo de tudo. Nosso projeto é um mix de ideias de várias pessoas e não havia um dono da ideia, nem alguém com uma visão específica ou mais profunda daquele mercado. Todos estavam na mesma página e na mesma posição. Ao longo do tempo, o grupo começou a sentir a falta de lideranças para puxar algumas etapas do desenvolvimento, tomar uma decisão quando não havia consenso ou trazer motivação nos momentos difíceis. O fato de ninguém se sentir especialista no mercado que estávamos explorando e de todos temerem dar um passo a frente e atropelar o restante da equipe nos colocou em estado de inércia. Essa foi uma das maiores lições dessa experiência: liderança é fundamental. Isso não significa, porém, um engessamento ou decisões unilaterais. Após alguns problemas, nosso grupo hoje tem algumas lideranças. E dependendo da etapa de desenvolvimento eu, ou alguns dos outros membros, tomamos à frente, o que tem gerado resultados muito melhores.

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Identifique uma oportunidade real de mercado e conheça seu público Eu li e escrevi 300 vezes sobre o assunto, mas acabei me vendo, sem querer, na posição de quem tinha um produto e tentava encaixá-lo no mercado, em vez de identificar uma oportunidade real e criar algo a partir dela. Isso aconteceu depois que mudamos o nosso projeto radicalmente de realidade virtual para um serviço de compra e venda de produtos para alunos da universidade. Como nós fazemos parte da comunidade de alunos da universidade, julgamos ter conhecimento sobre as necessidades do nosso público-alvo e tiramos uma série de conclusões precipitadas sobre o que seria bom para este grupo. Quando entrevistamos potenciais usuários para entender suas necessidade e interesses, descobrimos que muito do que pensávamos não fazia sentido. Para piorar, pensamos em uma solução para pessoas que compram e vendem pelo Facebook, mas semanas depois vimos o próprio Facebook lançar algumas das ferramentas que desenvolvemos. Conclusão: não dá para ter certeza de nada sem antes fazer uma pesquisa completa de mercado e com usuários. Suas percepções podem ser um bom indicador de qual caminho sua startup deve explorar, mas o mercado é muito mais complexo do que inicialmente pensamos.

Ligia Aguilhar

 

Prepare-se para pivotar muitas vezes Entre as startups, é comum usar o termo "pivotar", que significa uma mudança no rumo da empresa após identificar que o produto ou modelo de negócio não são os mais adequados para o mercado. Por exemplo, você pode criar um determinado produto pensando em vendê-lo nas lojas e identificar que, na verdade, a melhor opção é alugar o produto para os clientes. A realização dessa mudança é o que chamamos de pivotar. Eu, que tantas vezes escrevi sobre isso, fiquei surpresa em perceber o quanto é comum uma startup ter que pivotar. Achei que ao longo do processo faríamos mudanças pontuais e que muitas das nossas conclusões iniciais estariam certas, mas fui pega de surpresa precisando promover várias mudanças ao longo das primeiras semanas. Esse processo trouxe insegurança para o meu grupo, mas qual não foi a nossa surpresa ao descobrir que nossos colegas de sala, que também estavam desenvolvendo startups, mudaram por diversas vezes seus produtos e modelos de negocio. Um dos grupos que considerávamos mais promissores nos surpreendeu após algumas semanas mudando radicalmente sua proposta. Outro, que parecia ter criado uma solução inovadora e bem fundamentada nas necessidades do mercado, foi achincalhado na apresentação do pitch para investidores porque falharam em pensar fora da caixa e perceber que o produto abria brechas para um determinado uso que, em vez de soluções, traria problemas para empresas. Ao fim de três meses, nenhum grupo continua com o mesmo produto e estratégia apresentados inicialmente.

Sair do óbvio e inovar é difícil e estimulante Quando você olha para as empresas que existem hoje, parece óbvio elas terem seguido um determinado modelo de negócios ou estratégia. Vamos usar o Facebook como exemplo. A ferramenta nasceu para conectar estudantes de universidades no EUA, mas hoje parece um caminho natural ser uma rede social que conecta pessoas de todo o mundo, possui uma poderosa plataforma de bate-papo e que ganha dinheiro com base em anúncios. O que nós falhamos em ver é como é sofrido e longo o caminho para se chegar a esses modelos que funcionam. Ao nos depararmos com uma folha em branco, com um problema a ser resolvido, é difícil saber qual a melhor solução a oferecer, principalmente se falamos em inovação, já que sair do óbvio requer muita persistência, muitas tentativas e resiliência. A situação piora quando se trata de uma startup. Eu tenho sorte de poder passar por esse processo dentro da universidade, onde não tenho nada a perder, mas na vida real, quando é o seu dinheiro ou o dinheiro de investidores em jogo, o medo de escolher o caminho errado é ainda maior. Eu li recentemente o livro Criatividade S.A., escrito por Ed Catmull, fundador da Pixar. No livro ele relata o processo criativo na Pixar e nos permite entender como é longo e dolorido o processo para o desenvolvimento dos desenhos incríveis que vemos nos cinemas. Uma das minhas partes favoritas é quando ele diz que a maioria das pessoas pensa no processo criativo como uma arrancada, um insight que alguém tem em um momento e que resolve perfeitamente um problema. Para ele, porém, o processo criativo se parece mais com uma maratona. Algo que exige longos treinos, esforço e cansaço. Não poderia concordar mais. Esse processo é desesperador e delicioso. Antes de virar empreendedor, pergunte-se: você quer mesmo passar por esse processo? Você gosta desse tipo de desafio?

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Você vai entrar em desespero e isso é perfeitamente normal Empreender é como estar em uma montanha-russa. Um dia você tem uma boa ideia, cria algo legal e recebe um elogio dos usuários ou investidores. No outro, descobre um problema que não previu e que coloca seu trabalho inteiro em xeque. No caso da minha experiência, nosso maior baque foi quando uma semana antes de fazer um pitch para investidores e apresentar o projeto formalmente para a universidade, o Facebook lançou algumas novas funcionalidades que simplesmente acabaram com a proposta do nosso produto. O desespero se transformou em esperança quando, ao apresentar para investidores e assumir que nosso produto tinha sido afetado pelo Facebook, fomos surpreendidos por uma avalanche de elogios. Além dos investidores terem gostado da nossa honestidade em admitir falhas e problemas, eles viram potencial em algumas características do nosso produto e nos encorajaram a fazer mudanças, mas não a desistir do projeto. Um deles, o mais crítico de todos, que havia sido muito duro com outras startups que apresentaram no mesmo dia, disse que nossa proposta foi a que mais despertou o seu interesse naquele dia. Nem preciso dizer que fomos tomados por uma onda de euforia e otimismo que durou até o dia seguinte, quando nos reunimos novamente e, diante de uma página em branco, vimos que o caminho para mudar o nosso produto novamente será árduo.

Tenha uma atitude positiva e reconheça os seus erros Quando eu escolhi fazer meu mestrado na Northwestern University, um dos meus maiores interesses era justamente nesta disciplina que envolve criar uma startup. Qual não foi a minha surpresa quando há três semanas me vi entrando no escritório de um dos professores, com o qual troquei longos e-mails sobre o assunto antes de me matricular na universidade, perguntando se poderia desistir da disciplina. Eu nunca desisto das coisas facilmente, mas em meio a tantas outras disciplinas e preocupações, estava achando a dinâmica do meu grupo desgastante, especialmente porque mudamos o nosso projeto de algo que me interessava muito, para uma solução que tinha pouco a ver com meus interesses, e porque nossa dinâmica de trabalho, a falta de comprometimento e os desafios diários pareciam fazer com que todo o sofrimento fosse em vão. Enquanto conversava com meu professor sobre os motivos do meu desânimo, caiu a ficha. Identifiquei erros que eu mesma cometi e percebi que muito do meu incômodo veio da percepção de que o aprendizado que teria naquela aula seria muito diferente do aprendizado real. Mais do que aprender a desenvolver uma startup, esse processo me trouxe lições muito ricas sobre liderança, trabalho em grupo, resiliência, criatividade e sobre o tão falado valor de falhar.

Pare de só ler livros sobre empreendedorismo e vá testar sua ideiaEmpreender é estimulante, mas extremamente desafiador. É como resolver um quebra-cabeças complexo. É uma lição de humildade todos os dias. E embora eu tenha apontado muitos problemas aqui, o objetivo não é desestimular quem sonha em empreender, mas ser realista.Em meio a essa experiência eu me tornei ainda mais entusiasta da ideia de que as universidades precisam ensinar empreendedorismo e promover um ambiente no qual os alunos possam criar startups. A disciplina de empreendedorismo aqui na Northwestern é uma das mais disputadas entre os alunos, mas ao fim dos primeiros três meses, arrisco dizer que cerca de um terço da sala desistiu do curso, seja porque descobriram que eles não gostam do processo de desenvolvimento de uma startup, ou porque algo não funcionou no projeto que eles desenvolveram. Eu encorajo todos que sonham em empreender a deixar a teoria de lado e a fazer o seu projeto agora. É como aprender a dirigir um carro, por mais aulas teóricas que você tenha, você só aprende assumindo a direção e praticando muitas vezes. Menos teoria e mais ação.

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