Semana passada, soubemos que uma reforma na legislação de propriedade intelectual (LPI) espanhola abriria uma brecha para que editores participassem da receita obtida por agregadores de conteúdo e de notícias online. Nessa categoria entram os agregadores de notícias Google News, Yahoo News, Bing News, e o Menéame, conhecido site espanhol. Por ora não se sabe quando, nem como ou em quanto os editores querem participar do faturamento anual de empresas como a Google, por exemplo. O faturamento da Google em publicidade na internet da Espanha, está estimada em 50 milhões de dólares, em 2013; há previsões de crescimento da ordem de catorze por cento em 2014.
Para avaliar de que maneira esse tipo de medida interfere na distribuição de informações em uma internet supostamente livre, como tal manobra ajuda a resolver no longo prazo o incessantemente comentado 'problema' de faturamento das mídias de notícias com origem no impresso e na transposição de seu modelo de negócios para a arena digital e, finalmente, analisar com crítica a imposição de uma lei que vai contra a dinâmica fundamental proposta na Internet - a hiperligação - chamamos David de Ugarte.
Autor de várias obras (todas disponíveis na internet), entre elas "O Poder das Redes" (2007), "Das Nações às Redes" (2009), "Los futuros que vienen: la descomposición global y la importancia de la comunidad en el siglo XXI", além de outros, Ugarte interpreta os traços do momento digital sobre uma tela com o riscado histórico, principalmente suas nuances econômicas e políticas.
Não é possível desvincular a figura de David de Ugarte do ciberativismo, do ideário da livre circulação de informações. Se não conhece a obra de David, sugere-se começar pelo livro "O Poder das Redes", disponível para ser baixado em formato .pdf.
O Link
Um dos alvos da reforma da lei de propriedade intelectual espanhola é o combate ao link. Colocar atalhos para conteúdo protegido por leis de direito autoral passa a ser crime passível de multa da ordem de dez mil euros ao dia, na Espanha. Na perspectiva de muitos, coibir o link é medida que fere a livre circulação de informações, penaliza o acesso a informações por parte de usuários da rede e conflita diretamente com um dos pontos centrais da obra de Ugarte, a saber: a distribuição de informações de maneira descentralizada, em que a ausência de um replicador não causa prejuizo à circulação de informações por haver outros peers.
"Acho que valorizamos pouco até que ponto essa mudança, a hiperligaçao (link), tem transformado nosso modo de pensar e até que ponto tem moldado a visão contemporânea do processo criativo e da inteligência entre outras muitas coisas", reflete Ugarte, quando perguntado sobre o conflito entre distribuição descentralizada e a LPI.
Ugarte reforça o retrocesso em manobras como a da LPI. "Esta lei leva-nos atrás não duas décadas, senão três séculos. A partir de agora há dois tipos de conteúdos: aqueles que podemos referir sem pensar, os da gente, e outros aos que não se pode olhar aos olhos, os do poder. Os meios são os novos «coronéis», diz.
O próprio algoritmos do Google, buscador mais usado da atualidade foi, em seus primórdios, fortemente baseado em links como sinal de 'curadoria' de conteúdo. Era uma maneira de avaliar o contentamento de usuários com o conteúdo encontrado em páginas html. Para Ugarte, a escolha de quando, como e por quê um link deve ser colocado é escolha íntima do autor; blogueiro, colunista, repórter etc. - a decisão passaria por critérios subjetivos e é livre.
"...a mesma ideia de que a categorização e ordenamento de conteúdos são eleições subjetivas, que dependem exclusivamente do autor, foi o triunfo final do mundo ilustrado, da Modernidade, contra o argumento de autoridade da escolástica medieval. Foi o começo de um mundo novo: a Pós-modernidade", afirma Ugarte, para quem a liberdade de linkar faz parte essencial da cultura global pós guerra fria.
Não resisto à tentação de perguntar como Ugarte vê o Big Data, quando menciona a concatenação deconteúdos de forma subjetiva.
"O Big Data é a expressão última e mais monstruosa da Modernidade. É Modernidade terminal. O que Foucault chamava o corpo político do Rei se converteu em uma imensa massa de dados centralizada por muito poucas grandes empresas on-line e alguns, muito poucos também, governos. O resultado é um experimento de biopolítica como nunca tivesse podido sonhar Luis XIV nem sequer Stalin!!", replica David.
O "assalto à web"
Ações como a revisão da LPI espanhola e sua resultante, a caça aos links e à disseminação não autorizada de conteúdo e de informações deveriam nascer de discussões envolvendo todos os participantes. Desde os criadores do referido conteúdo, passando por provedores de acesso à web, portais de informações, buscadores e finalmente os usuários/leitores.
Mas, não foi o que aconteceu. Por muito tempo, os acessos à web eram precários; banda larga é realidade no Brasil por exemplo, há dez anos. De que forma ocorreu a ocupação do ciberespaço por corporações, ao mesmo tempo, afastando o público do processo de tomada de decisão no desenvolvimento da internet?
Para Ugarte, essa aproximação ocorreu ainda nos anos 90. "O primeiro assalto corporativo à www fui muito temporão, a princípios dos anos noventa. Foi a famosa bolha pontocom. Ela estalou porque não entenderam os fundamentos.Desde então o mundo do poder político e econômico tem oscilado entre duas alternativas: adaptar à demanda ou obrigar à demanda a adaptar-se a eles para não mudar suas estruturas de trabalho forçando mudanças legislativos como o que comentamos", responde.
Será solução?
Não faltam na internet relatórios sobre a má saúde dos veículos de notícias. A cada cinco minutos, é publicado um artigo oferecendo a solução final para tornar o jornalismo na internet algo rentável. Na perspectiva dos proponentes da nova LPI, cobrar pela exibição de conteúdo de terceiros pode arrefecer a situação econômica de editores. Na perspectiva de Ugarte, não no longo prazo. Para ilustrar como chegou à conclusão, David menciona o Menéame, famoso agregador de notícias na Espanha.
Ugarte explica que, em conversa com o fundador de Menéame, soube que a receita por CPM (cada mil impressões) de publicidade está em torno de 22 centavos de euro (perto dos oitenta centavos de real), ao passo em que nos grande veículos, a receita por mil impressões pode chegar à casa dos quatro euros (+ou- doze reais). Ou seja, para cada visitante que o Menéame gera para os jornais, ele fatura quase vinte vezes menos que o site beneficiado com o link".
"O que esta lei quer é gerar uma transferência direta da renda de agregadores para os consórcios midiáticos. Será necessário?"
Rebato a colocação de Ugarte e digo-lhe que é igual a vender mais 2 mil ou três mil assinaturas (por ora não está certo qual será o percentual).
"Os mesmos editores que pagam por visita gerada a serviços de publicidade pretendem que quando Digg, Meneame ou simplesmente um blog que posiciona links para notícias e lhes envia grátis visitantes lhes paguem uma taxa mensal. Não é louco?"
"Agora imaginemos que simplesmente Menéame, entre outros, fecha ou proibe seus usuários de linkar para conteúdos de empresas editoriais. Imaginemos que milhares de blogs deixam de incluir em suas recomendações de leitura as notícias dos grandes jornais. Que têm a ganhar os jornais? Nada além de perda de rendimentos", responde David.
Conclusões
Essa determinação chegar às redes sociais? Com volume de tráfego nada desprezível gerado nas redes sociais para veículos de notícias, qual seria a consequência?
"Um passo mais para o descrédito e a irrelevância dos grandes oligopólios mediáticos, impulsionado só pela avareza de sua vocação rentista", diz.
Perguntado sobre como acredita que os agregadores irão reagir, Ugarte deixa claro quealguns devem concordar em pagar, ao passo que outros participantes dessa teia em processo de rompimento encontrem alternativas para disseminar conteúdo.
"Google News pagará. Mas espero e desejo que todo o ingente tecido de agregadores comunitários, de sites colaborativos de links como Menéame e de blogs que publicam leituras recomendadas, simplesmente busquem meios alternativos e blogs e ignorem os produtos das grandes empresas jornalísticas que têm imposto esta lei", diz.
Links:
Las Índias, Menéame, Digg, Google News; Bing News
Obras de David de Ugarte, livres para download:
O Poder das Redes - http://lasindias.com/el-poder-de-las-redes
Das Nações às Redes - http://lasindias.com/de-las-naciones-a-las-redes
Los Futuros que Vienen - http://lasindias.com/los-futuros-que-vienen