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Quem joga, sabe

Behold: 'O mercado indie é um reflexo do consumidor brasileiro'

Entrevista com Marcos Venturelli e Betu Souza da Behold Studios, de Brasília; produtora faz seu 12º game, o primeiro em parceria com a Sony

Por Murilo Roncolato
Atualização:
 

SÃO PAULO - A Brasil Game Show está maior esse ano. Mais empresas expondo, mais espaço, mais público. Conseguir ser visto é o desafio. Se é difícil para as grandes empresas e seus jogos com custos de produção milionários, imagine como fica para o produtor nacional independente. Os "indies" nacionais estão presentes, mas a participação ainda é muito pequena.

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Entre eles, destacam-se casos de sucesso como o da Behold Studios, de Brasília. Os game designers Saulo Camarotti e Marcos Venturelli representaram a comunidade independente subindo no palco da Sony, para apresentar seu game previsto para 2015, Chroma Squad. A produtora ganhou fama principalmente com seu 11º jogo, o Knights of Pen and Paper, lançado em 2012. De lá para cá, a comunidade indie internacional e nacional acompanham cada passo da pequena empresa criada em 2009.

"Estávamos construindo alguma imagem ainda com Knights", diz Saulo Camarotti, fundador da Behold. "Para lançar Chroma Squad usamos o Kickstarter, pedimos US$ 55 mil e recebemos US$ 97 mil. A divulgação foi automática. Até hoje, qualquer anúncio que a gente faz tem repercussão agora, criou-se uma comunidade forte em torno da gente."

Venturelli, ao lado do diretor de arte Betu Souza, cederam entrevista ao Que Mario? e comentaram a participação indie na feira e o que se pode esperar dos produtores brasileiros nos próximos anos. Confira:

Os indies estão presentes na feira em pequenos estandes no fundo do pavilhão ou com algum destaque maior dentro dos estandes dos grandes estúdios, como é o caso de vocês. Essa participação pouco expressiva reflete a situação da indústria brasileira de games?Marcos Venturelli - Acho que o que acontece na verdade é um reflexo do consumidor brasileiro. Quando lançamos trailer dos nosso games, sempre vem o comentário: "o jogo é brasileiro, por que o nome é inglês?". A gente tem que fazer para o mercado internacional. A cultura do videogame é uma cultura globalizada, ninguém faz videogame para culturas específicas. O consumidor brasileiro é sobretudo triple A [jogos com grande custo de produção].

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Estamos alguns anos atrás do mercado do resto do mundo. Aqui no Brasil, indie ainda é algo muito pequeno. O consumidor brasileiro é majoritariamente um consumidor triple A. A BGS se abre para indies até mais que a porcentagem do que o público permite. Eu mesmo não montaria um estande na BGS para o Chroma Squad hoje. Não vale o custo. O tipo de consumidor que você vai ter acesso não consome o nosso jogo. Pode até achar legal, mas duvido que ele vai comprar.

A localização dos estandes indies é um problema?

MV - Acho que isso é normal em feiras. O público alvo que consome nosso jogo é necessariamente um cara mais informado e que está atrás de mais informação. Ele não vai chegar, olhar na frente e ir embora. É até melhor porque até chegar lá no fundo, o público está filtrado. Imagina se o estande da Sony fosse todo Chroma Squad, ia ser estranho. Ia ter um público que não tem nada a ver com o game.

Os games triple A apresentados são muito diferentes dos indies inclusive na proposta. Além de ser a categoria de uma produção independente, indie hoje é um estilo?

MV - Sim. Há uma preocupação estética. O Tripla A é de show, cinematográfico. O indie...

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Betu Souza - O indie se caracteriza pelo aspecto artístico, mais pessoal. Tem uma pegada às vezes melancólica, de reflexão. Trabalha outra área da psique do jogador.

MV - A gente tem menos pre-concepções e a gente pode fazer o que é natural para a gente e focar no que é mais importante.

BS - A gente normalmente quer passar uma ideia. Depois que lançamos o Knights na Steam, as vendas mostraram um rendimento de menos de 5% de usuários brasileiros. A gente meio que confirmou para a gente que nossos jogos não funcionam aqui. Por que Knights não tinha em português? Por que foi feito de fora para dentro do país? Porque não daria certo se naõ fosse assim.

 

Como mudar o consumidor e chamar a atenção para este tipo de produção?

BS - O que a gente está fazendo hoje já está gerando alguma mudança. Esses pequenos núcleos de empresas estão crescendo. Aos poucos, o consumidor vai começar a mudar e consumir o próprio produto.

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MV - A mentalidade das pessoas já está mudando. A gente mede isso pelo o que a galera comenta nos fóruns sobre o Knights. Antigamente a gente só apanhava, hoje já aparecem uns caras defendendo e a gente só observa.

Você acha que os indies brasileiros poderiam se organizar melhor para ganhar mais visibilidade?

BS - Já existem algumas coisas nesse sentido. Em São Paulo temos o SPIN, em outros Estados têm outros grupos também. A gente pegou a ideia do Indie Megabooth [um estande na feira de games PAX que concentra vários estúdios e jogos indies] e estamos tentando organizar isso em Brasília. Mas acho que o que falta é isso, é gerenciamento e organização

Acham as associações de game falhas?

MV - São coisas diferentes, uma coisa é a comunidade indie, outra são as associações. Uma associação existe para representar um certo grupo comercial para o governo. Eu não sei trocar ideia com as pessoas da Prefeitura, por exemplo. E eu não acho que seja papel da AciGames ou da Abragames que a gente se organize enquanto desenvolvedores. Isso é o que se espera de uma comunidade saudável, que não existia. Isso é muito recente. O cenário brasileiro amadureceu muito nos últimos anos.

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Em 2008, foi a primeira vez que eu fui numa SBGames (Simpósio Brasileiro de Jogos). Era tudo muito hostil, era um negócio esquisito, pouca gente fazendo coisas horríveis, medonhas, e as pessoas se achavam demais. Eram uns nerd muito estranhos por lá. De alguns poucos anos para cá, algumas pessoas "da antiga" bem sucedidos trouxeram bons exemplos, e hoje tem mais gente envolvida, a comunidade cresceu, principalmente por conta das tecnologias de distribuição, o mercado se abriu para pessoas de arte e entretenimento de forma mais ampla. E isso trouxe coisa nova para o Brasil. A gente tem hoje canais de comunicação. Toda semana eu respondo para três ou quatro pessoas que vêm tirar dúvida, pedir dica, etc. Hoje a gente está se ajudando mais.

E qual a visão de vocês sobre as associações?

MV - Acho que elas são um reflexo da maturidade do nosso mercado. Acho que pode melhorar, mas quem pode fazer isso somos nós mesmos. A AciGames é complicada porque ela tenta fazer uma mistura de desenvolvedores com comerciantes, o que eu acho infeliz. Porque só as vezes os interesses batem. Já a Abragames segue um sistema voluntário, eles não têm dinheiro, nem estrutura. Muita gente fala da Abragames como se ela sozinha precisasse salvar o mercado de games brasileiro. E não é assim. Você vê os resultados das iniciativas nos programas do governo. A Pocket Trap pegou um edital no governo municipal, eu já peguei edital. Tudo com muito dedo da Abragames. São pequenas coisas porque nossa força é pequena. As associações estão no mesmo nível que a gente, e a gente ainda está engatinhando.

Em uma entrevista para a Kotaku Brasil você comentou sobre a possibilidade de juntar talentos para formar um grande estúdio. Você acha que é possível criar empresas maiores, com mais talento, resultando em games maiores?

MV - A minha opinião não representa a da Behold, certo? Eu penso bem diferente, eu não acredito que empresas são necessariamente o mais importante. A gente herdou muita coisa. A indústria indie começou ou de forma espontânea, com o cara que simplesmente fez um jogo, e também querendo entrar no mercado de games e vendo o indie como oportunidade. A ideia de as empresas serem voláteis, eu não vejo como um problema, porque eu não acredito em empresas, eu acredito em pessoas. A Behold como empresa ela já acabou, a Behold de vários anos atrás não existe mais, eles tiveram a sorte de manter as pessoas e fizeram a marca. Isso é importante, inclusive para facilitar para o consumidor. Melhor que saber se tal empresa se manteve, é saber se o talento daquela empresa está ainda no País.

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Em vez de juntar todo mundo numa panelona e ficar fazendo um único jogo, seria mais interessante que esses talentos rodassem pelo País. Quando fechamos a Critical, foi dito que a empresa faliu, não faliu. A gente escolheu fechar a Critical. Os talentos da Critical estão por aí oxigenando o mercado no Brasil com a experiência que a gente ganhou. Se amanhã a Behold acabasse só seria triste se o Betu não trabalhasse mais lá e fosse pagar pau para gringo lá fora e não ficasse levando a experiência dele no Brasil.

BS - O que a gente acredita é que existe uma família. A gente pensou muito em juntar talentos e a conclusão é de que isso daria muito errado. Porque elas costumam ser muito estrelas também.

MV - Eu sou, né? (Risos)

BS - A nossa primeira constatação sobre a Behold é que queríamos trabalhar com pessoas virtuosas. O que a gente pensa hoje sobre crescimento é agregar gente desse tipo. A gente já pensou em crescer, montar uma sede maior, mas a gente descartou isso. E hoje temos a ideia de ir agregando, diminuindo, agregando, diminuindo.

MV - Me incomoda a ideia de que existe uma evolução linear. O indie não é um mini triple A. Se você pegar cinco indies e juntá-los, não dá um triple A, dá cinco indies. Fazer um triple A não é um estágio aonde eu quero chegar. Os valores do triple A para mim são valores que eu não acredito. Se você me der US$ 100 milhões, eu não vou fazer um jogo de US$ 100 milhões. Eu vou fazer 100 jogos de US$ 1 milhão. É o que eu gosto, é o que faz sentido para mim. Há indies brasileiros que querem fazer jogos grandes, sem dúvida; mas os que eu conheço, inclusive bem sucedidos, até tentaram fazer grande, mas abandonaram e foram fazer o que gostam. Por que crescer é bom? Eu não quero crescer. A gente quer continuar, alcançar mais pessoas, sendo mais feliz fazendo o que a gente faz, se puder ganhar mais dinheiro, bem. Mas se não, queremos só manter o que gente tem agora.

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Estão satisfeitos com o que Knights rendeu e com a recepção do Chroma?

MV - Bastante. O que a gente não tem e gostaria é conforto financeiro. A gente ainda tem a pressão de se não fizermos tal coisa, se cancelarmos o Chroma Squad, vamos ter que fechar. Se ganharmos mais dinheiro, vamos poder fazer as coisas com mais tranquilidade, com mais tempo para jogar videogame.

Algum novo game já no gatilho?

MV - Ainda não. Estamos bem focados no Chroma Squad. Vamos por partes.

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