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ANÁLISE: Políticos correm risco de desaparecer se democracia não se abrir para a participação pela internet

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Por Redação
Atualização:

Foto: Fábio Motta/Estadão

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Acompanhei um debate nesta quinta-feira na Fundação Getúlio Vargas sobre reforma política. E todos os acadêmicos de Direito da mesa foram unânimes: após os protestos das últimas semanas em todo o Brasil, é preciso encontrar formas de inserir a internet na democracia. Não é só informar o cidadão. Embora a transparência seja importante. Mas abrir caminhos para que interfira de fato nas prioridades do poder, tenha a possibilidade de propor e discutir leis.

Na hora me lembrei de um documentário de 2009. Chama-se US Now. Trata de uma discussão sobre como empresas e governos não têm mais condições de fazer só o que querem e são constantemente fiscalizados e denunciados pela internet. A população ganha cada vez mais voz e ferramentas para pressionar os poderosos. Ele foi feito por um jovem cineasta britânico, chamado Ivo Gormley e com 27 anos na época, e mostra também exemplos concretos de como a sociedade pode, democraticamente, se unir pela rede ou não para discutir e definir os rumos da política.

Fui pesquisar no arquivo do jornal a entrevista que fiz com ele na época. Fiquei impressionado com a atualidade. Ela trazia questões que estamos discutindo hoje no Brasil. "As pessoas acham que os partidos estão muito distantes.Mas se importam com coisas que afetam diretamente a elas, como melhorias num parque", me disse na época. Ivo também afirma que, se os políticos não se abrirem para a participação na rede, correm o risco de desaparecer.

Acho importante a provocação deste documentário para nos ajudar a refletir sobre a questão. Assista abaixo na íntegra, com legenda em português. Logo em seguida, a entrevista da época, que republico agora.

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//www.youtube.com/embed/dIuxviH-0fg

Ação colaborativa pode mudar forma de gerir o mundo

As fronteiras entre cidadãos, governos e empresas estão prestes a cair.A era em que governantes e marcas famosas empurravam o que queriam - e escondiam o que também queriam - chega ao fim.Da mesma forma em que, na internet, qualquer banda pode concorrer cada vez mais de igual com artistas de grandes gravadoras, a voz de pessoas comuns interligadas em rede coloca instituições antes inatingíveis no mesmo patamar de qualquer um.Com informações correndo livremente fica fácil acompanhar os passos dos poderosos, sejam eles eleitos ou magnatas do mercado.E, a partir daí, passar a participar das suas decisões.

A teoria é do jovem cineasta Ivo Gormley.Ele nasceu e mora em Londres e tem apenas 27 anos.Há dois meses, disponibilizou de graça na rede um documentário sobre como as pessoas podem e devem influenciar nas decisões de instituições públicas e privadas e como estas devem ouvir os internautas sob risco de sumirem do mapa.O documentário - seu primeiro longa metragem - foi rodado em 2008, antes da eleição de Barack Obama, ou seja, se antecipando à consolidação da tendência mundial de se discutir a presença dos governos na internet, que já levou até o presidente Lula a anunciar para breve o lançamento de um blog.

O documentário tem o sugestivo nome de Us Now, em português, Nós Agora, e está disponível no site www.usnowfilm.com.A justificativa de Ivo para essa mudança nas relações entre cidadãos e instituições é que, na era da internet, onde cada vez mais as pessoas publicam informações sobre si, as relações virtuais baseiam-se em índices de confiabilidade, os quais são medidos em sites como o Ebay, por exemplo, em que os vendedores são julgados pelos compradores.Quanto mais avaliações positivas o primeiro tiver, maior a rua reputação.E isso, como Ivo mostra em entrevistas e casos interessantes, também migra para o mundo real.

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"Pela internet, as pessoas podem acompanhar as vidas umas das outras.Está se tornando difícil esconder se você é uma pessoa má, pois tudo o que você fizer virá à tona, seja por você mesmo ou pelos outros", disse ao Link. "Com governo e empresas é a mesma coisa.As informações estão na rede.Se houver corrupção, tentativa de enganar, os cidadãos irão saber.Se antes empresas, por exemplo, conseguiam controlar o que saía sobre elas, hoje não podem mais.Se for ruim, as pessoas vão começar a publicar isso."

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Embora essas possibilidades estejam cada vez mais evidentes, Ivo diz que elas ainda não estão em prática como deveriam.Ele, inclusive, afirma que a democracia não funciona como deveria. "As possibilidades da internet ainda são ignoradas", constata.Mesmo assim, Ivo acredita numa pressão da sociedade.Ainda que estejamos numa época em que as pessoas não sejam muito engajadas politicamente, já há sinais de que isso está mudando.As últimas manifestações no Irã neste ano, por exemplo, em que internautas se mostraram contrários ao presidente eleito, são sinais de que "a internet é um grande entrave à ditadura". Manifestações contra leis que querem punir com a perda da internet quem baixa conteúdo ilegal, como a França queria instituir, também mostram a força dessa mobilização, diz.

"Ninguém consegue calar a internet.As pessoas acham uma forma." Para Ivo, as pessoas hoje se interessam, sim, por política.Só não querem saber da estrutura velha, de partidos. "As pessoas acham que os partidos estão muito distantes.Mas se importam com coisas que afetam diretamente a elas, como melhorias num parque", diz.No documentário, há casos como o de uma cidade em que os investimentos públicos são discutidos com os cidadãos na praça da cidade.E há um time de futebol em que os torcedores, pela web, escolhem a escalação nos jogos. "Acredito que, como têm voz e acesso à informação, as pessoas irão começar a questionar as prioridades dos governos e instituições, começar a fiscalizar, ver os erros deles.E exigirão participação."

O filme de Ivo é um alerta a isso.Foi por essa questão, por tratar justamente de compartilhamento, que foi disponibilizado gratuitamente.Ele está produzindo seu segundo documentário, sobre games (www.playmakers.org.uk), que também será distribuído de graça.Mas não acredita que esse será o futuro para tudo. "Acredito no modelo de as pessoas pagarem o quanto quiserem, dependendo do quanto gostarem.Não acho que será tudo de graça.A cultura tem um preço para ser produzida."

Enquanto o novo documentário não fica pronto, o cineasta trata de apresentá-lo para governantes.Já mostrou nos EUA, no Canadá, na Europa. "Acho que as coisas começam a mudar.A virada com Barack Obama, que priorizou a internet, é muito importante.Acredito que, em breve, tudo irá mudar.Teremos um outro tipo de presidente, de parlamento, de empresa.Todos irão ter de ouvir as pessoas, compartilhar com elas decisões.Do contrário, irão morrer."

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