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As brechas na neutralidade da rede na Europa mostram o que vem aí nos EUA

Países como Suécia, Espanha e Portugal, com regras mais flexíveis para as operadoras, mostram o pesadelo que pode ser um mundo sem neutralidade da rede

Por Liz Alderman e Amie Tsang
Atualização:
Homem usa seu laptop em Portugal, onde as regras de neutralidade da rede são mais flexíveis e permitem às operadoras cobrar usuários por planos diferentes para redes sociais ou aplicativos de streaming, por exemplo Foto: Pedro Nunes/Estadão

No começo do ano, os suecos receberam uma promoção tentadora: se eles se inscrevessem na maior provedora de telecomunicações da Suécia, a Telia Co. AB, poderiam ter acesso ilimitado em seus celulares para o Facebook, Spotify, Instagram e outros aplicativos de grande sucesso. Os responsáveis pela regulamentação do setor na Suécia tentaram impedir isso. Alegaram que o acordo violava as regras de neutralidade da rede na União Europeia, que exigem que os provedores de internet ofereçam acesso igual a todos os conteúdos da web.

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Basicamente, uma vez que o limite de dados de um usuário fosse atingido, a Telia restringiria outros aplicativos, mas não os grandes. A questão está sendo discutida nos tribunais. E a oferta ainda está disponível.

Tais negócios podem estar ganhando impulso nos Estados Unidos.

A Comissão Federal de Comunicações (FCC), agência reguladora de telecomunicações nos EUA, deve votar na quinta-feira, 14, a reversão das regras de neutralidade da rede no país. Enquanto a UE tem tais regras em vigor, os fornecedores de telecomunicações pressionam os limites em algumas ocasiões, na Suécia, na Alemanha, em Portugal e em outros lugares, o que dá uma ideia do que empresas dos EUA e consumidores podem vir enfrentar no futuro, caso as proteções sejam diluídas.

O presidente da FCC, Ajit Pai, busca uma ampla revogação das regras da era de Barack Obama, preparando o caminho para que as empresas de serviços de internet cobrem mais dos usuários para ver determinados conteúdos ou restringir o acesso a alguns sites. As provedoras de serviços de Internet de alta velocidade, (ISPs), poderiam cobrar das empresas uma taxa para entregar seu conteúdo mais rapidamente.

Limites. A Europa procurou combater essas práticas adotando regras de neutralidade da rede com o objetivo de garantir que as ISP nos 28 países membros do bloco não possam escolher os ‘vencedores’ ou ‘perdedores’ da web. Os regulamentos são obrigatórios e aplicados pelos reguladores nacionais de telecomunicações de cada país.

Para o vasto mercado de mais de 500 milhões de cidadãos da UE, as regras ajudaram principalmente a evitar comportamentos prejudiciais.

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“Não há um longo registro de abusos pelas operadoras de telecomunicações quanto à neutralidade da rede”, disse Philippe Defraigne, diretor da Cullen International, um consultor com sede em Bruxelas que cobre economia nas telecomunicações e no setor digital.

Isso ocorre em grande parte porque, ao contrário dos Estados Unidos, os europeus têm muitas opções de acesso à internet em casa e em seus telefones celulares. A França tem quatro grandes operadoras de telefonia móvel e operadoras de internet e nove ramais de baixo custo. A Grã-Bretanha tem mais de 50. E não existem as gigantes empresas dominantes, nascidas de megafusões, como os que existem entre a Comcast e a NBC Universal, e Verizon e AOL.

Mesmo assim, as operadoras de telecomunicações na Europa tentaram aproveitar-se de algumas das áreas cinzentas nas regras.

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Quando o serviço Netflix entrou no mercado europeu em 2012, algumas empresas nacionais de telecomunicações o forçaram a pagar “pedágios” para levar conteúdo aos clientes. O Netflix não citou as empresas, mas disse a um regulador regional, por carta, que a disputa mostrava “a importância das fortes regras de neutralidade da rede”.

As regras do bloco também deixaram em aberto uma grande brecha regulamentar para uma prática chamada zero rating, na qual uma operadora não cobra por dados usados ​​em determinados aplicativos ou serviços, dando-lhes uma vantagem contra concorrentes. As poucas disputas sobre regulamentação que surgiram na Europa envolveram principalmente grandes empresas de telecomunicações que atendem os usuários para o Facebook e outros serviços.

Pai eliminou as proteções de zero rating nos Estados Unidos, antes mesmo de revelar o plano para desfazer inteiramente as regras de neutralidade na rede.

Na Europa, a brecha criou um confuso emaranhado de interpretações em diferentes países para se saber se a classificação zero viola a neutralidade da rede. O regulador da Suécia concluiu que a oferta da Telia não tratava o tráfego da internet de forma igualitária e deveria ser suspensa. Quer transmitir música de um concorrente problemático do Spotify? A Telia iria “acelerar”, ou artificialmente retardar, esse serviço, assim que os usuários atingissem os limites de dados, embora pudessem continuar ouvindo o Spotify.

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Isso não incomoda necessariamente os consumidores.

“Do ponto de vista do usuário, não acredito que seja um problema e acho que a maioria dos consumidores não pensa que seja um problema”, disse Magnus Haglunds, um produtor de música independente sediado em Estocolmo que usa o serviço da Telia. "Há os que podem ter de mudar da Apple Music para Spotify. Mas então eles poderão surfar gratuitamente no Spotify.”

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A neutralidade da rede não estava sendo comprometida? “Aqui não é Cuba”, respondeu Haglunds. “Cuba tem um problema. Lá, eles não têm internet alguma.”

Mas a oferta assustou as empresas suecas de mídia, que alertaram para o fato de o acordo dar vantagem ao Facebook sobre os concorrentes, e à Telia vantagem sobre outras operadoras de telecomunicações.

Um tribunal sueco finalmente anulou a decisão por motivos técnicos após o recurso da Telia, que continua a oferecer o serviço na Suécia e em outros países nórdicos. Mas o tribunal administrativo da Suécia deverá emitir uma decisão mais ampla sobre regras de zero rating neste ano.

Os críticos da reversão nos Estados Unidos citaram esquemas de classificação zero na Europa, ou versões do mesmo, como um presságio de como a web pode ser dividida.

O deputado Ro Khanna, democrata da Califórnia, postou uma captura de tela no Twitter, da operadora móvel portuguesa Meo, que viralizou. A foto mostrou planos básicos de inscrição mensal com nomes como Social, Messaging e Video, cada um parecendo favorecer um lote de aplicativos já estabelecidos.

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“As provedoras estão começando a dividir a rede em pacotes”, escreveu Khanna.

Talvez o maior problema para a Europa - e outras partes do mundo - é que os países acompanham o que os Estados Unidos fazem.

“Os EUA estabelecem bons padrões para o globo, mas agora podem criar um retrocesso”, disse Maryant Fernández Pérez, analista sênior de políticas da European Digital Rights, uma associação de organizações civis e de direitos humanos que defendem um ambiente digital aberto. “As consequências não são muito boas de um ponto de vista internacional”. / TRADUÇÃO DE CLAUDIA BOZZO

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