Escolas ensinam como se tornar um youtuber

Com embasamento teórico e aulas práticas, disciplinas extracurriculares sobre YouTube fazem alunos pôr a mão na massa; além de ajudar quem quer seguir carreira, oficina também prepara estudante para falar em público e trabalhar em grupo

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Foto do author Matheus Mans
Por Matheus Mans e Bruno Capelas
Atualização:
  Foto: Tiago Queiroz | ESTADÃO CONTEÚDO

Câmeras desligadas. Placas de iluminação apagadas, apenas com um leve zumbido indicando uso recente. Um cartaz na porta com a pergunta “Quer ser um youtuber de respeito?”. Ao longe, vozes exaltadas, intercaladas por gritos. Ao chegar mais perto da origem dos sons, a apenas alguns metros de distância, revela-se a cena do crime: alunos do colégio Pueri Domus, em São Paulo, criando uma paródia da série americana de suspense How to Get Away With Murder. Apesar de parecer apenas uma brincadeira, a atividade é coisa séria: a gravação faz parte da aula extracurricular sobre YouTube do colégio de São Paulo.

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A atividade é uma das mais concorridas dentre os alunos do Ensino Médio e do 9.º ano do Ensino Fundamental do colégio, localizado na zona sul da cidade. No fim de ano, todos os 20 inscritos na oficina de YouTube querem aproveitar o tempo das aulas de vídeo, que ocorrem semanalmente às sextas-feiras, para parar de pensar em equações de segundo grau, plantas briófitas e na entrega dos temidos boletins. 

“Já estou de férias, passei sem recuperação”, conta com orgulho a estudante Nicolle Paiano, de 16 anos, responsável pela sonoplastia dos vídeos. “A gente não sabe bem como usar uma câmera quando vamos gravar algum vídeo. Com a oficina, aprendemos todas as técnicas de filmagem mais importantes. E é tudo muito divertido, como dar um ‘rolê’ com as amigas.”

Encravado entre o ginásio de esportes e as salas de aula da educação infantil, o estúdio de gravação é um oásis onde os estudantes podem se distrair, explorar novas habilidades e, quem sabe, até mesmo se encontrar profissionalmente. 

O que é produzido nas aulas não fica restrito aos parabéns dos professores: os vídeos alimentam o canal oficial do colégio no YouTube. “O que faz sentido na escola é aquilo que também faz sentido fora da sala de aula”, afirma a diretora da unidade Verbo Divino do colégio Pueri Domus, Maria Cecília Camargo Aranha. “Encontramos um jeito para que esses jovens usem o YouTube de uma maneira criativa, com visão crítica da mídia.”

Grade curricular. O Pueri Domus não é o único colégio a apostar no YouTube como forma de atrair os jovens de um jeito criativo e despojado para a sala de aula. O Colégio Einstein, de Ribeirão Preto, por exemplo, investiu na criação de um estúdio completo, com câmeras profissionais, computadores de configurações robustas e até ilha de edição para os vídeos. A oficina de youtuber virou uma das opções de aulas extras – ao lado das tradicionais natação, judô, coral e exercícios de matemática avançados.

“O curso de youtuber ajuda o aluno a desenvolver habilidades como trabalho em grupo em situações complexas”, afirma o coordenador pedagógico do Colégio Einstein, Eduardo Gula. “Muitos vão viver isso na faculdade ou até mesmo no trabalho. A escola precisa fornecer esse preparo anterior.”

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Até mesmo as escolas de informática se reformularam: se antes ensinavam a usar o Word ou navegar na internet, agora o YouTube entrou na pauta, ao lado de robótica e programação – é o caso da rede SuperGeek, de São Paulo.

Interessante é notar, porém, que a iniciativa das instituições de ensino acontece sem nenhuma parceria com o YouTube. Questionado sobre o tema, o diretor de conteúdo da plataforma no País, Eduardo Brandini, vê a prática com – óbvios – bons olhos. “Usar o YouTube hoje na escola é um recurso parecido com os professores que usavam filmes, quadrinhos e desenhos animados anos atrás.”

Para o professor da aula de youtubers do Pueri Domus, Américo Fazio, as aulas da oficina que ministra são o equivalente contemporâneo aos laboratórios de informática dos anos 1990 e 2000. “Agora é o momento de estúdios específicos para YouTube. A pessoa sai daqui preparada para ter o seu canal”, diz o professor da oficina.

Fazio, aliás, é youtuber: ele tem um canal com mais de 60 mil inscritos, o Audiovizuando, com dicas práticas de gravação de vídeos. Mesmo formado em Audiovisual, ele garante que ter um canal é um diferencial pedagógico. “Quem entende de cinema pode não compreender a linguagem da web. Com o canal, posso ensinar os alunos com base no que fiz no YouTube”, diz.

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Diploma. Nas aulas de YouTube do Pueri Domus não há provas e os trabalhos não valem nota. As análises de desempenho são feitas com base na qualidade dos vídeos e, claro, no número de curtidas, visualizações e comentários nas publicações. Ainda é cedo para dizer se os alunos do Pueri Domus vão virar novos Whinderssons ou Kéferas – a escola começou a oficina no início de 2016 –, mas as aulas servem como primeiro passo em uma possível carreira.

Especialista em redes sociais, Alexandre Inagaki alerta, no entanto, que nem todos conquistam seu lugar ao sol. “Youtuber é como jogador de futebol: há uma elite de salários bons e uma grande massa de gente que ganha mais ou menos dinheiro”, diz. Para Brandini, a diferença entre a bola e a câmera é quem determina o sucesso: “No YouTube, a peneira não é só de uma pessoa, mas de toda a comunidade. É mais democrático.”

Apesar dos holofotes temporários, não são todos os alunos da turma do Pueri Domus que pensam em deixar de lado as carreiras tradicionais para surfar a onda da internet. No elenco e equipe técnica da paródia de How to Get Away With Murder, muitos já tinham seu caminho trilhado: Matheus quer ser psicólogo, Gisele vai prestar Biologia, Carol pensa em ser atriz. A única que chega perto de seguir a vida como youtuber é Ana Freire, de 16 anos.

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Ainda indecisa sobre qual rumo seguir, ela acredita que a oficina possa ajudá-la na hora H. “Estou em dúvida entre Direito e Moda. Posso fazer o primeiro e criar um canal para falar de moda”, diz a estudante, que está no 2.º ano do Ensino Médio. “Aula de youtuber não é só um curso legal. É algo que pode me deixar mais segura e feliz na hora de escolher uma profissão.”

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