Na China, só a cultura do Vale do Silício entra

Negócios como Google e Facebook têm entraves no país, mas influenciam costumes

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Por Paul Mozur
Atualização:
Sede do Facebook na Califórnia se tornou local de peregrinação para jovens chineses 

A ponte Golden Gate e o vento frio de Alcatraz estavam no roteiro do chinês Zhao Haoyu ao visitar São Francisco. No entanto, quando Zhao chegou com a mulher, em setembro, o casal passou o primeiro dia vagando pelos monótonos centros empresariais suburbanos que o Facebook e o Google chamam de lar. Numa excursão de ônibus com uma dezena de outros visitantes chineses, os dois se tornaram parte do crescente fluxo de turistas chineses que vão ao Vale do Silício – o que mostra, apesar da censura e da hostilidade do governo chinês, a tremenda influência exercida pela região na China. 

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“Ouvimos falar tanto dessas empresas em meu país que quisemos conhecer”, disse Zhao, na casa dos 30 anos, natural de Kunming, cidade no sul chinês. 

Nos últimos anos, a China viu nascer uma vibrante e inovadora indústria de tecnologia, às vezes ultrapassando o desempenho dos americanos. Mas isso ocorreu a despeito de uma cultura ditada pelo conformismo confuciano e, mais recentemente, pelas rigorosas regras do Partido Comunista Chinês. 

Como nenhum dos dois fatores estimula a rebelião ou a ruptura, jovens empreendedores e investidores chineses vêm procurando orientação e inspiração num lugar onde essa rebelião existe: o Vale do Silício. 

Uma das principais referências do mundo tecnológico norte-americano para os chineses é o que se pode chamar de “conhecimento de segunda mão”. Trata-se do filme Piratas da Informática, lançado em 1999 – e que retrata episódios da vida de Bill Gates, co-fundador da Microsoft, e Steve Jobs, o pai da Apple, quando ambos ainda eram estudantes e tateavem em busca das criações que os tornariam famosos. 

A influência pode ser sentida em conversas com empreendedores chineses. Yao Shuki, empresário de 28 anos, é um dos vários que citam como força orientadora o filme. “Eu tinha dificuldade em encontrar um sócio que ficasse com a parte da tecnologia”, disse Yao, que calcula ter visto o filme mais de dez vezes. “Aí comecei a pensar em como as pessoas em Piratas da Informática encontravam sócios. Vendo e revendo e revendo o filme, aprendi muito a respeito.”

O poder brando do Vale do Silício na China não deve ajudar o Facebook ou Google a retornarem ao país. Mas mostra o tipo de influência que a China procura para si. Apesar de suas inovações, o renascimento online da China está ocorrendo dentro das próprias fronteiras, e as ambições do país de criar empresas com influência global até agora não se realizaram. 

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Gurus. O Vale também é um modelo para um novo tipo de guru empresarial chinês, um líder político e de ideias, estilo Elon Musk e Peter Thiel. O mundo da tecnologia chinês já criou figuras como Jack Ma, fundador da gigantesca empresa de e-commerce AliBaba Group, e Lei Jun, criador da Xiaomi, fabricante de smartphones baratos, cuja influência é pouco derivada do Partido Comunista. 

O partido, por seu lado, mesmo procurando refreá-los, corteja esses empresários, com frequência apresentando-os como exemplos da inovação chinesa. O Baidu, conhecida popularmente como o “Google chinês”, deve muito ao Vale do Silício. Um de seus fundadores, Eric Xu, fez um documentário sobre o Vale no final dos anos 1990 e ajudou o Baidu a se desenvolver como organização meritocrática e pouco estruturada, em um modelo que seus fundadores admiravam. 

Às vezes, a China adota clichês do Vale do Silício com mais entusiasmo que o próprio Vale. Um conhecido café em Pequim, que reúne aficionados de tecnologia, tem uma enorme parede com um cronograma mostrando IPOs (ofertas públicas iniciais de ações) de empresas de tecnologia americanas ao lado de IPOs chinesas. Algumas empresas criaram eventos de lançamento de produtos no estilo da Apple que se tornaram eventos culturais, com cobrança de ingresso. 

“O Vale do Silício se tornou uma espécie de guia da mudança cultural na China”, disse David Chao, sócio da empresa de capital de risco DCM. “Hollywood conseguiu influir no tipo de bolsa que as chinesas compram, mas jamais teve tamanho impacto sobre a cultura corporativa como tem o Vale do Silício.” / TRADUÇÃO DE ROBERTO MUNIZ