Por que a Apple não surfa a onda de podcasts?

Após ajudar a ‘criar’ formato, empresa é incapaz de resolver problemas de produtores

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Por John Herrman
Atualização:
Fenômeno. Adnan Syed, assassino de Baltimore, se tornou personagem do podcast ‘Serial’ Foto: Reuters

Steve Jobs colocou seu talento como mestre das vendas à prova quando, em 2005, lançou o novo software da Apple para baixar programas de áudio digitais. O formato era tão incipiente que ele lutou para descrevê-lo. “É uma espécie de TiVo para o rádio, para seu iPod.” Mas foi claro quanto ao potencial do formato. “Está ficando muito, cada vez mais interessante”, disse.

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Em outras palavras: essa é agora uma verdadeira indústria, que a Apple essencialmente criou e ainda domina. Ainda assim, neste momento de triunfo do podcast, crescem as preocupações na comunidade sobre o quanto a empresa criada por Jobs realmente se importa.

Entrevistas com mais de duas dezenas de podcasters e pessoas de dentro da Apple revelam muitas reclamações. Eles afirmam que são obrigados a cortejar um único funcionário da Apple para conseguir promoção para seus programas. Que o compartilhamento nas redes sociais é complicado. Além disso, para ganhar dinheiro, precisam saber quem são os ouvintes – e só a Apple pode fazer isso. Os problemas, dizem, têm o poder até de abrir uma oportunidade para um competidor.“A falta de dados sobre podcasts é chocante”, diz Gina Delvac, produtora do Call Your Girlfriend, programa sobre cultura pop e política.

A Apple levou recentemente sete profissionais líderes dos podcasts para sua sede na Califórnia, para que falassem de seus casos em uma sala cheia de funcionários, segundo duas pessoas que estavam lá. A empresa não fez promessas, contam eles, mas várias questões foram discutidas de maneira franca.

Depois que as apresentações terminaram, Eddy Cue, executivo da Apple que supervisiona softwares e serviços, chegou para uma sessão fechada com os funcionários da empresa, segundo os presentes. “Acho que todo mundo que está seriamente envolvido neste espaço gostaria pelo menos de saber qual é a cartada final. As pessoas acreditam que há um próximo passo a ser dado”, diz Chris Morrow, chefe da Loud Speakers Podcast Network, entidade que representa produtores de podcasts.

Mercado. O formato cresce há anos, mas teve um boom em 2014, com a estreia de Serial, programa que em sua primeira temporada reexaminou um caso de assassinato. O programa agradou o pessoal da cultura pop e foi baixado mais de 110 milhões de vezes. Até o ano passado, pelo menos 46 milhões de americanos ouviram podcasts todos os meses. Este ano, o número vai alcançar 57 milhões, segundo pesquisa da Edison Research.

Mas o podcast ainda é um produto de uma era diferente: quando Jobs atualizou o tal software, em 2005, a Apple ainda voltava à força total com os iPods. O iPhone só sairia em 2007.

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Hoje, a Apple é uma das maiores empresas do mundo, mas o podcasts lhe dão pouquíssima receita direta. Talvez seja por isso que a central de podcasts do iTunes permanece inalterada desde 2005. Compartilhar um programa em redes sociais – que não existiam na época – exige muitos cliques.

A promoção interna dentro do iTunes é uma das poucas maneiras confiáveis para construir audiência, principalmente para programas novos. No entanto, quem decide o que vale a pena é uma pequena equipe, que há anos escuta as reclamações dos produtores de conteúdo.

A questão para os podcasters – e para a Apple – é sobre o que vem depois. Há duas opções óbvias: resolver os problemas da indústria ou correr o risco de perder seu domínio de uma mídia cujo nome nasceu de uma marca da empresa – o “pod” de podcast é uma referência ao iPod.

Até os podcasters estão em dúvida; mesmo sem se mexer, a Apple mantém atrativos. “Algumas pessoas podem argumentar que o podcast deveria ter avançado”, diz Andy Bowers, diretor de conteúdo da rede de podcasts Slate’s Panoply. Mas, desde 2005, afirma, “eles ofereceram condições muito boas”.

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Em termos de receita, o podcast ainda é minúsculo se comparado com a indústria da tecnologia e do entretenimento.

Os podcasters podem vender anúncios que custam de US$20 a US$100 para cada mil ouvintes. Para podcasts com centenas de milhares de ouvintes – e, em casos raros, milhões – esses números podem ser bem altos. O gasto com propagandas vai gerar centenas de milhões de dólares para a indústria este ano, diz Matt Lieber, cofundador da Gimlet Media, startup de podcasts que conseguiu US$ 7,5 milhões de capital de risco.

Expansão. Aumentar muito essa indústria, porém, é complicado. A Apple não permite que os programas cobrem das pessoas para baixar episódios, por exemplo, e não apoia assinaturas, como desejam alguns podcasters.

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Ao contrário de músicas, filmes e apps – fonte de bilhões de dólares para a Apple, que leva partes das vendas e das assinaturas – a companhia não ganha nada com publicidade e todos os programas são gratuitos. Não há nada para dividir. Hoje, o podcast é apenas mais um recurso livre para ajudar a empresa a vender mais iPhones e iPads.

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