Privacidade pode ser pesadelo para quem usa serviços de monitoramento do sono

Falta de lei específica de dados pessoais no Brasil abre espaço para práticas de venda e uso abusivo de informações sobre sono

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Por Bruno Capelas
Atualização:
Fabricante de colchões Sleepnumber criou uma cama conectada que se molda de acordo com os movimentos do usuário Foto: Sleepnumber

Se por um lado a chance de melhorar a qualidade do sono pode ser um sonho para alguns, a possibilidade de ter seus dados mais íntimos coletados – e a partir disso, vendidos ou roubados – é um cenário que preocupa muita gente. “O quarto é um dos espaços mais privados da vida de qualquer um. É importante que as pessoas permitam que seus dados estejam sendo captados – e entendam como eles podem ser usados”, alerta a pesquisadora do Instituto de Sociedade e Tecnologia do Rio de Janeiro (ITS-Rio), Chiara de Teffé.

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No caso de dados sobre o sono, as possibilidades de utilização por terceiros são inúmeras. Segundo David Rose, pesquisador do MIT Media Lab, centro de pesquisa em tecnologias digitais do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), a maneira como uma pessoa dorme (ou não) pode afetar seu humor, sua produtividade, servir como indicativo de doenças e deixá-la suscetível a influências externas.

“Agora, imagine essas informações sendo usadas para a propaganda: se uma empresa sabe que você não dormiu bem, pode disparar anúncios de café ou energético na sua frente”, diz Rose. Outro exemplo inconveniente, diz o especialista, seria a venda de dados sobre como um funcionário dormiu para seu empregador – afinal, ninguém gostaria de prestar contas ao chefe sobre como ficou acordado até altas horas vendo séries na noite anterior. 

Proteção. O cenário é ainda mais complexo no Brasil, que não possui uma lei específica para proteger os dados pessoais de seus cidadãos – apenas há alguns indicativos na Constituição, no Marco Civil da Internet e no Código de Defesa do Consumidor, mas que não bastam, segundo os especialistas ouvidos pelo Estado. Discutido desde 2012, um projeto para uma Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais foi enviado à Câmara dos Deputados em 2016, mas encontra-se estagnado. “Não creio que o projeto seja votado esse ano”, avalia Chiara.

Lá fora, a situação é bem diferente: a partir de maio, entra em vigor na União Europeia uma nova versão da Regulação Geral de Proteção de Dados (GDPR, na sigla em inglês) e pronta para lidar com novas questões impostas pela internet. “Os cidadãos europeus vão ter controle sobre como seus dados serão coletados e tratados pelas empresas, em uma lei pensada para temas complexos como internet das coisas e inteligência artificial”, diz Chiara. Enquanto a situação não se equaliza em todo o mundo, há quem veja que a bandeira da privacidade e da proteção das informações pessoais possa ser um diferencial para as “startups do sono”.

“Ser transparente e mostrar como é fácil baixar, destruir ou deixar anônimos todos os seus dados pode ajudá-las no mercado”, diz David Rose, do MIT Media Lab. “Afinal, ninguém quer perder o sono com medo de ver sua rotina na cama sendo vazada ou vendida por aí.”

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