A regulação do Vale vem aí

Privacidade entrou na pauta. As pessoas começaram a entender que seus dados podem ser usados como armas, não só publicitárias como, até, de manipulação eleitoral

PUBLICIDADE

Por
Atualização:

Mark Zuckerberg, presidente executivo do Facebook, foi bem em seus dois depoimentos perante o Congresso americano. Melhor no Senado, onde o trataram com mais leveza na terça-feira, pois no dia seguinte, na Câmara, a pressão subiu. Ainda assim, foi essencialmente bem. Estava tranquilo, ensaiado. Não transpareceu arrogância, o contrário. Parecia disposto a tratar todos com respeito, mesmo quando as perguntas eram tolas. E muitas foram. Vacilou pouco. De qualquer forma, houve muito de teatro. Parlamentares às vezes precisam parecer duros, ou informados, ou simpáticos — cada um com suas questões eleitorais. O que Zuck dificilmente conseguiu evitar é que, de todo este imbróglio, saia alguma forma de regulamentação.

PUBLICIDADE

Privacidade entrou na pauta. As pessoas começaram a entender que seus dados podem ser usados como armas, não só publicitárias como, até, de manipulação eleitoral. Por isso mesmo, é dos pequenos instantes de hesitação nos dois depoimentos, quase dez horas ao todo, que mais aprendemos.

Foram poucas as perguntas que Zuckerberg não respondeu.

“Qual é seu principal concorrente?”, perguntou um senador. Ele não tinha resposta. O Facebook, afinal, não tem verdadeiros concorrentes. Como o Google não tem. Ou a Amazon.

Quando alguém sugeriu, porém, um processo antitruste – para isto o jovem presidente executivo estava preparado. Se o Facebook for divido em duas ou mais empresas, são empresas chinesas que terão vantagem competitiva. É possível que ele esteja certo. E o Congresso dos EUA entendeu o recado.

Continua um quasi-monopólio. De tempo gasto pelo público quando online, como plataforma de interação social na internet, ou duopólio, com o Google, no espaço de publicidade digital. Mas esta é a menor preocupação.

“Você estaria disposto a mudar seu modelo de negócios para resguardar a privacidade?”, questionou um deputado. “Não sei se compreendo a pergunta”, ele respondeu. É claro que entendeu. O Facebook se sustenta com publicidade. A publicidade funciona porque a rede tem perfis detalhados de cada um de seus usuários – perfis que, por vezes, caem nas mãos erradas. Para proteger de fato privacidade só tem um jeito. Fazendo publicidade menos precisa ou cobrando alguma forma de assinatura, o que exigiria outro modelo de negócios.

Publicidade

“Minha equipe baixou seus dados pessoais do Face”, comentou outro deputado. “Mas não estava, ali, seu histórico de navegação pela web.” Zuck parou, enrolou, mas não driblou. Em essência, eles não consideram o acervo de sites pelos quais navegamos como parte do ‘conteúdo pessoal’. Ainda assim, guardam.

A União Europeia põe em vigor, no mês que vem, regras para privacidade online. Qualquer serviço digital que opere na região terá de ser explícito a respeito do que armazena. Se guarda as fotos e mensagens que trocamos, mesmo depois de as apagarmos, precisará dizer. Não só. Se guarda todos os sites pelos quais passamos, todos os lugares por onde o GPS de nossos celulares anda, nossos números de identidade ou senhas, cartões de crédito, visitas a médicos, exames realizados. Tudo terá de ser informado.

Ou seja: um contrato em fonte corpo 9 com 40 páginas não vale. A informação tem de ser amigável.

É preciso explicar, também, como estes dados serão usados. Assim como todos os cidadãos europeus terão a escolha de apagar o que desejarem dos bancos alheios no momento em que quiserem.

Se regras assim rigorosas se espalharem pelo mundo, o Facebook e outras empresas do Vale terão, sim, de explicar como a montanha de dados vira propaganda. Muita gente tomará um susto com o que elas sabem sobre nós. E, de bate-pronto, exigirá que se apague.

Parece justo.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.