'Abrir capital pode fazer o Uber lavar a roupa suja', diz Brad Stone

Para ‘biógrafo do Uber’, empresa precisa dar retorno a investidores e investir em transparência para poder seguir em frente; Stone é o autor de 'As Upstarts', lançado recentemente pela editora Intrínseca

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Por Bruno Capelas
Atualização:
Para Brad Stone, Dara Khosrowshahi, o novo presidente do Uber, pode simbolizar uma nova era para a empresa Foto: Amanda Perobelli/Estadão

Quase toda empresa gigante de tecnologia vive cercada de mitos, como a garagem da Apple ou a fama de negociador impiedoso que paira sobre Jeff Bezos, o fundador da Amazon. Com o Uber e o Airbnb não é diferente: as duas empresas surgiram na mesma época e partilham o conceito de “economia do compartilhamento”, e sempre foram tachadas como “o mau” e “o bom”, quase como um yin-yang da inovação digital, por suas posturas com usuários, motoristas/anfitriões e as autoridades regulatórias. Mas não é bem assim. 

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Em seu novo livro, As Upstarts, o jornalista norte-americano Brad Stone (responsável porA Loja de Tudo, volume obrigatório para quem quiser entender a história da Amazon) se dedica a aproximar a trajetória de Uber e Airbnb – e desmistificá-las. Com rigor e um texto saboroso, Stone conta a criação, a expansão e as inúmeras polêmicas que as duas empresas tiveram nos últimos anos, desafiando indústrias tradicionais e governos ao propor que qualquer um pudesse andar no carro ou dormir na casa de um estranho. 

“Depois de A Loja de Tudo, busquei startups que tivessem gerado tanta controvérsia como a Amazon. Naquela época, não consegui decidir entre o Uber e o Airbnb, e resolvi contar as duas histórias”, conta Stone, em entrevista exclusiva ao Estado

As Upstarts conta a história do Uber, do Airbnb e de outras iniciativas da economia do compartilhamento que não deram tão certo, como o Couchsurfing Foto: Intrínseca

Trazido ao País pela Intrínseca, As Upstarts – termo em inglês que denomina quem “desafia o status quo” – é um belo volume para entender a economia “compartilhada”, termo que o próprio Stone nega. “Prefiro o termo “economia da confiança”, porque as duas empresas rodam negócios com base na confiança de que você pode dormir na casa ou usar o carro de um estranho”. 

Lançado no início do ano nos EUA, As Upstarts não conta as polêmicas recentes que envolveram o Uber e geraram a saída do cofundador Travis Kalanick do comando da empresa – entre elas, há denúncias de assédio sexual e programas secretos usados para espionar autoridades e apps rivais. Em seu lugar, assumiu o “boa praça” Dara Khosrowshahi, ex-presidente executivo da Expedia. Para o autor, depois de crescer bastante, o Uber agora precisa chegar à maturidade, sendo uma empresa responsável o bastante para abrir seu capital – uma das metas de Dara para 2019. “Agora, com Dara, é hora de lidar melhor com governos e empresas para poder crescer.” A seguir, confira os melhores trechos da entrevista. 

O que o sr. acha de Dara Khosrowshahi, o novo presidente do Uber?  O Uber precisava de um presidente “chato”, alguém que pudesse tirar a empresa das manchetes e conduzi-la até sua abertura de capital. Dara é uma boa aposta nesse sentido: ele já conduziu a Expedia por muito tempo, e teve lidar com negócios conservadores, como hotéis e empresas aéreas. O Uber se acostumou a quebrar regras. Agora, com Dara, é hora de lidar melhor com governos e empresas para poder crescer. 

Ao assumir, Dara Khosrowshahi falou que quer abrir o capital do Uber em no máximo 36 meses. O Airbnb, que também levantou muito dinheiro, parece seguir o mesmo caminho. Por que isso é importante?  Eles precisam abrir capital porque há muitos investidores de risco que colocaram dinheiro nas empresas e querem ver o retorno desse investimento. Além disso, as duas empresas deram participação acionárias aos funcionários, que só poderão ser vendidas com a abertura de capital. É como o Vale do Silício funciona: o risco de entrar numa startup só compensa quando você consegue seu dinheiro de volta no final. Afinal de contas, é um investimento, não é um ativo. No caso do Uber, passar por um processo de abertura de capital pode fazer a empresa lavar a roupa suja e focar em ser uma empresa lucrativa. 

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Hoje, há uma aliança global formada pelo “Uber chinês”, a Didi Chuxing, e a empresa japonesa SoftBank, contra o Uber, que inclui até o brasileiro 99. Por outro lado, a SoftBank parece interessada em investir no Uber. Como isso faz sentido?  A SoftBank está interessada em ganhar dinheiro. Ela é uma empresa que aposta muito nos aplicativos de carona paga, e tem essa aliança global. No entanto, hoje essa é uma disputa que custa muito para os aplicativos, porque é preciso dar descontos aos usuários para competir e derrotar o rival. Se o Uber entrar nessa turma, a rivalidade vai se transformar em uma aliança. Será algo ruim para os consumidores, que terão menos escolhas, mas ótimo para as empresas, que poderão parar de queimar dinheiro. 

Por que falar de Uber e Airbnb? Desde que acabei A Loja de Tudo, busquei negócios que tivessem mudado o mundo e gerado tanta controvérsia como a Amazon. Naquela época, não consegui decidir entre o Uber e o Airbnb, até perceber que eram histórias parecidas. São duas startups que levantaram muito dinheiro, suscitaram polêmica e partilham do conceito de economia do compartilhamento. Juntar as duas histórias é um bom jeito de compará-las. 

O que o sr. pensa do termo “economia do compartilhamento”?  Não acho que é válido. Os motoristas do Uber não compartilham suas viagens, nem os anfitriões do Airbnb dividem suas casas. No fim das contas, são apenas pessoas tentando ganhar um dinheiro extra. Prefiro o termo “economia da confiança”, porque as duas empresas rodam negócios com base na confiança de que você pode dormir na casa ou usar o carro de um estranho. 

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Seu livro se chama As Upstarts. No que uma upstart é diferente de uma startup?  Em inglês, a palavra “upstart” tem uma conotação de “desafio ao status quo”, questionar as tradições. Além disso, ela tem uma conotação negativa, como se as duas empresas não tivessem respeito pela maneira antiga de lidar com problemas. É bom para resumir a polêmica de Uber e Airbnb. 

Travis Kalanick é um grande empreendedor?  Ele é talentoso, mas tem problemas. Muito do sucesso do Uber se deve à forma como Travis conseguiu fazer a empresa crescer rápido e de como ele conseguiu tantos investimentos. Por outro lado, ele pisou demais no acelerador, fazendo o motor do carro superaquecer e explodir. Ele cresceu rápido, mas esse crescimento escondeu atributos importantes, como posturas antiéticas dentro e fora da empresa. 

Qual é o futuro de Travis Kalanick?  O Travis de hoje é parecido com o Steve Jobs de 1985, após ser demitido da Apple. Os dois são bem parecidos: irascíveis, maus gerentes, personalidades difíceis. Jobs teve de fundar outra empresa, a Pixar, e torná-la um sucesso, para voltar à Apple. Sei que Travis ainda continua “por perto no Uber”, mas seu melhor passo seria vender suas ações e começar algo novo, mostrar seu talento como empreendedor e talvez voltar ao Uber. Mas não acho que isso vá acontecer. 

O Uber tem tido muitos problemas no Brasil com relação aos direitos trabalhistas dos motoristas, algo que também ocorreu nos EUA. Como o sr. vê a questão?  A classificação atual, no qual os motoristas são colaboradores da empresa, funciona bem. Há muitos estudantes, mãe solteiras e pais de família que dirigem para completar seu orçamento. O Uber não pode dizer a eles quando e como trabalhar -- se não, não vai funcionar. O problema é que também há muita gente que quer dirigir no Uber como um emprego. Talvez as empresas precisem criar classificações diferentes para seus motoristas de tempo integral, com obrigações diferentes para quem quer apenas dirigir por algumas horas. 

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Seu livro também fala do Airbnb. Hoje, eles são uma das maiores “cadeias de hotéis” do mundo, mas avançaram para um serviço de experiências turísticas, o Airbnb Trips. O que eles estão tentando fazer?  O Airbnb tem um negócio forte, o compartilhamento de quartos e casas, mas ainda têm muito o que disputar legalmente nas cidades. O que o Airbnb está tentando fazer é mais ou menos parecido com o que a Amazon fez quando deixou de vender apenas livros para vender tudo. É uma comparação válida, mais pelo esforço, do que pelo resultado – especialmente porque vão entrar em indústrias bem reguladas, como vendas de passagens aéreas. Da minha experiência, acredito que o Airbnb vai ter muito trabalho para conseguir se transformar o que quer – especialmente se forem mesmo abrir capital no meio do caminho. 

Antes deAs Upstarts, Stone escreveu o obrigatórioA Loja de Tudo, que conta a história da Amazon Foto:

O sr. escreveuA Loja de Tudo, sobre a Amazon, em 2013. De lá para cá, Jeff Bezos se tornou o homem mais rico do mundo e eles lançaram a assistente de voz Alexa... Desde que eu lancei A Loja de Tudo, o valor da Amazon cresceu mais de quatro vezes. 

O sr. se sente parte disso? Não! (Risos). É divertido: a Amazon odiou meu livro, mas adotou o título para si. O que eles estão fazendo com inteligência artificial é admirável: o Echo e a Alexa estão fazendo as pessoas realmente falarem com as máquinas. Meus filhos estão crescendo achando que é normal conversar com um computador. Vejo muitas oportunidades para a Amazon hoje. Uma é geográfica: eles ainda têm muitos mercados, inclusive o Brasil, nos quais ainda não operam com toda sua força. A segunda é na área de comidas e bebidas: eles têm muito o que dominar nesse mercado, um setor de compras frequentes. E há a nuvem, na qual eles já são líderes e ainda vão crescer. Tenho muito otimismo sobre a empresa, e acredito que Jeff Bezos ainda é um líder jovem, cheio de ideias. 

Para encerrar: qual é o seu próximo livro? Ou seja: qual é a principal tendência dos próximos anos?  Não estou pensando em um livro agora, preciso de descanso (risos). Na verdade, sinto que preciso atualizar os dois livros desde que eles saíram. Por outro lado, tenho trabalhado muito para a Bloomberg Businessweek na Ásia. Escrevi capas sobre Samsung e Tencent, e são duas empresas asiáticas muito interessantes. Talvez exista algo importante a ser contado daí. 

As UpstartsAutor: Brad StoneEditora Intrínseca384 páginasPreço: R$ 54,90

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