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Argentina vira celeiro para recrutar hackers

Passado militar fez país se especializar em burlar a lei; empresas do Vale do Silício buscam cada vez mais hackers no país

Por Agências
Atualização:

New York Times

 

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Nicole Perlroth do The New York Times

Quer aprender a invadir o núcleo computadorizado de um equipamento médico ou de uma urna eletrônica? Ou mesmo de um smartphone ou de um carro? Graças ao legado do governo militar e a uma cultura que se caracteriza por infringir regras de todo tipo, a Argentina tornou-se um dos melhores lugares do mundo para encontrar pessoas que poderão lhe mostrar como fazer esse tipo de coisa.

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Como a guerra de talentos do Vale do Silício já se tornou global, particularmente para alguns habilidosos invasores de equipamentos, a Argentina se tornou um fértil terreno de recrutamento para corporações e governos. As companhias precisam dos hackers para ajudá-las a se defenderem contra criminosos online e espiões patrocinados pelo Estado. E enquanto a crucial infraestrutura mundial opera online e a ameaça de guerra avança no espaço cibernético, os governos estão desesperados para adquirir os recursos dos hackers.

“Enganar o sistema faz parte da mentalidade argentina”, disse Cesar Cerrudo, pesquisador argentino da área de segurança, que aprendeu por conta própria a piratear computadores na adolescência, quando morava na cidadezinha de Paraná, no nordeste do país. Cerrudo chamou a atenção recentemente ao invadir com sucesso os sistemas de sinalização de trânsito de cidades de todos os Estados Unidos.

“Se você não é rico, nunca terá um computador e nem lerá livros. Para conseguir um novo software, terá de pirateá-lo e aprender tudo por conta própria a partir do zero”, ele disse.

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Na América Latina, o Brasil adquiriu notoriedade nos últimos anos como líder mundial das fraudes bancárias pela internet. Mas os hackers da Argentina são famosos pela criatividade. Eles são conhecidos particularmente por sua habilidade em descobrir as chamadas falhas de segurança zero-day, as brechas não protegidas em uma tecnologia universalmente usada que podem ser usadas para espionar ou mesmo destruir redes de computadores dos adversários.

Empresas de tecnologia como Apple, Facebook e Google criptografaram seus produtos e serviços de modo que, em muitos casos, a única maneira de monitorar as comunicações de um alvo é invadindo diretamente seu aparelho. Como resultado, hoje os governos têm urgência de adquirir sequências de comandos zero-day criados por hackers.

Um grupo de executivos, funcionários do governo e empreiteiras do mundo todo e – pelo menos é o que se comenta – espiões reuniram-se em Buenos Aires em outubro no antigo edifício de uma indústria, transformado em centro cultural, para observar o hacking à moda argentina na 11ª edição do EkoParty, o maior congresso de hackers da América Latina.

É impossível dizer quantos hackers vivem na Argentina, porque invadir computadores em geral não é um talento que os argentinos gostem de divulgar. Mas o EkoParty, que este ano atraiu 1.600 pessoas, é conhecido como o melhor lugar para encontrá-los. “A Argentina se destacou no panorama mundial desta modalidade porque o país produz os melhores hackers”, disse Sinan Eren, um executivo da Avast Software, uma companhia de segurança de Praga, que há anos participa deste congresso.

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Muito antes que as companhias estrangeiras visitassem a Argentina com esta finalidade, invadir coisas era um talento vital na Argentina, uma maneira de sobreviver durante décadas de um governo militar repressivo e uma economia volátil.

Os argentinos dizem: “atado con alambre”, ou preso com arame para descrever a inventividade de tantas pessoas que aprenderam tanto com tão pouco.

“Nós que nos tornamos adultos sob uma junta militar – que dizia o que deveríamos ler, os filmes que deveríamos ver, e o Deus que deveríamos adorar – tivemos de aprender a driblar a lei”, disse Norma Morandini, uma senadora da província de Córdoba, perante uma multidão no Congresso. “Para nós, hackear era um meio de vida”.

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O país ainda tem uma indústria tecnológica do passado por causa das leis restritivas sobre importação. Aqui, a Amazon não entrega produtos à sua porta. O BlackBerry tem uma parcela de mercado maior do que a da Apple. Um iPhone novo custa US$ 2 mil ou mais no MercadoLibre, um site de leilões online, mas diversos proprietários de iPhones contaram que convenceram um amigo a viajar do exterior para contrabandear um aparelho nas barbas da alfândega.

Para colocar as mãos nos aparelhos maiores e mais recentes, os argentinos frequentemente precisam pensar como um hacker – ou tornar-se hackers.

“A gente aprende a se arranjar sem recursos, sem tecnologia de ponta, com fracas conexões de Wi-Fi”, disse Sergio Berensztein, um analista político argentino.

/TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA

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