Como o Spotify criou uma 'jukebox' no meio da nuvem

O Spotify transformou o jeito de se ouvir música, mas, agora, para fazer dinheiro, terá de mudar o setor de novo

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Por The Economist
Atualização:
Daniel Ek, fundador e presidente executivo do Spotify Foto: REUTERS/Shannon Stapleton

Em poucos anos o Spotify evoluiu, deixando de ser o pesadelo de alguns dos mais importantes músicos para se tornar talvez o maior benfeitor desses profissionais. A companhia sueca transformou a maneira como as pessoas ouvem música e elas se acostumaram a pagar pelo serviço depois de a pirataria digital ter arruinado as vendas. As receitas globais derivadas do streaming de música, segmento que o Spotify domina com 70 milhões de assinantes, mais do que triplicaram em três anos, para um valor estimado em US$ 10,8 bilhões ao ano, superando pela primeira vez as vendas físicas e digitais de músicas e álbuns.

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Mas se está auferindo milhões para outros, o serviço vem perdendo dinheiro – com um prejuízo operacional de quase US$ 400 milhões em 2016, porque paga no mínimo 70% da sua receita para o setor fonográfico, a maior parte em royalties. E agora que se prepara para abrir o capital na Bolsa de Valores de Nova York, precisa convencer os investidores de que tem um caminho para a lucratividade. Algumas pessoas admitem que o Spotify pode encontrar um, mas às custas das gravadoras que ele enriqueceu, ou seja, pagando menos royalties; conseguindo que elas (e outros) paguem pelas promoções e serviços de dados; e até competindo diretamente, firmando acordos com os artistas. Em outras palavras, o serviço só conseguirá lucrar reformulando novamente o setor.

O lado econômico da música gravada mudou duas vezes na era da internet antes do surgimento do streaming, primeiro com os serviços de compartilhamento ilegal de arquivos como Napster, e depois com o iTunes da Apple em 2014, que desintegrou o disco. As vendas de música no varejo despencaram de US$ 14,6 bilhões em 1999 para US$ 6,7 bilhões em 2014. O Spotify, cujo serviço de streaming começou em 2008, era uma fonte de receita menor, mas um importante recurso para artistas que acreditavam que jamais lucrariam ganhando menos de um centavo por música tocada.

Escala. Mas Daniel Ek, fundador do Spotify, há muito tempo argumenta que as virtudes do streaming são evidentes somente quando atingem uma escala. O que começou a se verificar. Além dos assinantes do Spotify que pagam US$ 10 por mês (e pelo menos 70 milhões utilizam seu serviço gratuito ancorado em anúncios publicitários), Apple Music conta com 30 milhões de assinantes e outros serviços têm pelo menos mais 70 milhões, segundo a consultora MIDia Research.

Músicas de artistas mais populares hoje ultrapassam normalmente 1 bilhão de reproduções nos serviços. “Shape of You”, de Ed Sheeram, foi a mais baixada em 2017, ouvida 1,4 bilhão de vezes. Em média, um bilhão de reproduções nos serviços de assinatura propicia US$ 7 milhões para as grandes gravadoras, com talvez US$ 1 milhão indo para os artistas. Outra parte do dinheiro vai para autores e compositores.

Com uma liderança forte e cada vez maior sobre seus concorrentes, o Spotify se tornou o mais importante distribuidor do setor. A empresa de pesquisa Redburn calcula que no primeiro trimestre de 2017 o serviço representou 17% dos US$ 5 bilhões em receitas auferidas pelas gravadoras.

A mais óbvia força do Spotify é sua capacidade de criar estrelas por meio dos seus algoritmos de recomendação e playlists, como os DJs de rádios faziam habitualmente. O serviço tem mais de dois bilhões de playlists; muitas são produzidas pelos usuários, mas as listas criadas pelo próprio serviço atraem milhões de seguidores. O serviço terá de ser cauteloso na maneira como transformar em dinheiro esse potencial. Mas no ano passado a empresa começou a testar “músicas patrocinadas” no seu serviço gratuito.

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Outra fonte de poder está nos seus dados granulares sobre os hábitos dos ouvintes, que vão desde onde as músicas são ouvidas mais e a que horas, até que ações os ouvintes de algumas músicas tendem a apreciar. O serviço fornece muitos dados sem nenhum custo para o setor; alguns ele necessita fornecer (para calcular os pagamentos de royalties), outros ele considera prudente fazer.

Daniel Ek diz que oferecer os dados gratuitamente ajuda os artistas a utilizarem melhor a plataforma, o que também beneficia o Spotify. Seus dados já são utilizados por gravadoras, artistas, promotores e vendedores de ingressos quando planejam lançamentos de álbuns, colaborações de artistas e concertos. Mas, para analistas, à medida em que cresce, o Spotify deveria aproveitar muito mais os seus dados e conseguir um bom preço dos promotores de eventos ao vivo, digamos, como os vendedores de ingressos.

De streaming a gravadora. O mais interessante trunfo do serviço é que ele poderia usar essas vantagens para se tornar uma gravadora de música, trabalhando diretamente com os artistas. Matthew Ball, analista, afirma que o Spotify começou a firmar acordos com artistas em que ele paga um valor adiantado e promete uma porcentagem das receitas de streaming menor do que paga para as gravadoras, mas bem maior do que os artistas recebem hoje.

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Este acordo matematicamente pode ser mais simples para artistas já estabelecidos, cujo desempenho é mais previsível. Mas com seus dados e playlists, o Spotify consegue identificar, elevar e teoricamente firmar contratos com artistas ainda emergentes também. Mas tornar-se uma gravadora não é para já, em parte porque isso vai enfurecer os que fornecem a maior parte das músicas para o serviço. Mas o crescimento das atividades centrais do Spotify têm um custo que é difícil de ignorar. Os pagamentos de royalties constituem uma despesa enorme. A concorrência de outros serviços também torna difícil aumentar os preços que cobra. Para se financiar, o Spotify contraiu uma dívida de US$ 1 bilhão em 2016, com base em condições que permitem que dois dos credores, o grupo de private equity TPG e o fundo de hedge Dragoneer, converta dívida em ações, tornando uma abertura do capital desejável.

O serviço na verdade negociou reduções de royalties no ano passado, começando com o Universal Music Group, divisão da Vivendi e maior fornecedor de música para o serviço. Acordos similares foram fechados com o Warner Music Group e Sony Music. Mas os patrões dos grandes selos há muito tempo estão em conflito com uma empresa que mudou todo o seu setor. No início eram céticos quanto aos lucros do Spotify. Hoje têm a preocupação se estão criando um futuro rival, do mesmo modo que os estúdios de Hollywood licenciaram seu conteúdo para Netflix. Pela primeira vez em 20 anos, o setor de música vem crescendo vigorosamente. A luta para saber quem sairá vitorioso apenas começou. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO 

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