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Crise política afeta regulamentação do Marco Civil da Internet

Dois anos após ser sancionada, ‘Constituição da internet brasileira’ ainda aguarda regulamentação; instabilidade política no Congresso e em ministérios pode atrasar finalização do decreto, enquanto CPI debate leis que abrem espaço para retrocessos

Por Redação Link
Atualização:

Dida Sampaio/Estadão

 

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Rodrigo Azevedo Especial para o EstadoBruno Capelas 

A instabilidade política no País preocupa os envolvidos no debate sobre o Marco Civil da Internet (MCI). Após sua sanção completar dois anos no último sábado, a ‘Constituição da internet brasileira’ ainda não foi regulamentada. Com tempos nebulosos em Brasília, entre a discussão sobre o impeachment da presidente Dilma Rousseff e substituições nos Ministérios da Justiça e da Casa Civil, há receio de que o assunto caia no limbo.

“O cenário é imprevisível”, avalia Francisco Brito Cruz, diretor do instituto Internet Lab. Cruz, que participa ativamente das discussões sobre o tema, apostava que a regulamentação fosse sair do papel até março – um mês após o encerramento da última consulta pública do Ministério da Justiça sobre o texto final do decreto. Até agora, quatro consultas públicas já foram feitas – duas pelo ministério, uma pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e outra pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br). Na mais recente delas, foram entregues mais de 1,2 mil contribuições ao projeto, entre pessoas físicas, entidades e empresas – Facebook e Netflix, por exemplo, enviaram suas sugestões.

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O Ministério da Justiça evita prever quando o decreto será publicado. Hoje, o texto do decreto está sendo finalizado pela Secretaria de Assuntos Legislativos, para ser enviado à Casa Civil e, depois, à Presidência.

“A fase final vai ser observada pela Presidência, de acordo com a pertinência do melhor momento para editar essa norma”, diz Gabriel Sampaio, secretário de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça. Sampaio, porém, diz que a mudança recente no comando do ministério, recém assumido por Eugênio Aragão, não afetou o andamento da pauta.

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Em jogo. Vale lembrar que a falta da regulamentação do MCI não impede que a lei seja aplicada pela Justiça brasileira. Segundo pesquisa do site Observatório do Marco Civil da Internet, mais de 200 decisões judiciais já usaram a lei como base. “O Marco Civil é uma lei autoaplicável, mas o decreto importa porque fortalece temas como neutralidade de rede e tratamento de dados”, diz o secretário.

A questão de neutralidade da rede é a que mais suscita discussões: princípio central do Marco Civil, ela diz que as operadoras devem tratar os dados de navegação de seus usuários da mesma forma – não importa se o consumidor vê um vídeo no YouTube ou posta fotos no Facebook.

Para especialistas em direito ao consumidor, esse princípio é ferido pelas operadoras ao oferecer planos de acesso à internet móvel com pacotes que privilegiam o uso de aplicativos como Twitter, Facebook e WhatsApp.

“A má regulamentação pode prejudicar empresas pequenas que buscam inovar”, diz Rafael Zanatta, pesquisador de telecomunicações do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec). A ideia é que o usuário, por exemplo, preferiria se manter usando serviços de grandes empresas de forma gratuita – no chamado “zero rating” – a testar um novo programa, tendo de pagar pelos dados usados.

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Para Alexander Castro, diretor da Associação Brasileira de Telecomunicações (Telebrasil), que representa as operadoras do País, não existe pacote de dados que proíba o usuário de usufruir de qualquer serviço. “Alguns sites podem fazer parceria com os provedores e o acesso não ser cobrado”, diz. “O pacote, porém, continua dando liberdade para o usuário.” Além da discussão sobre neutralidade e o tratamento dos dados dos usuários (veja box), ainda há debates sobre quem será responsável por fiscalizar as regras criadas pelo MCI.

Passo a passo. Os dois anos entre a sanção do Marco Civil e sua regulamentação pendente provocam debates em Brasília. Um dos relatores da CPI de Crimes Cibernéticos, que propôs projetos que podem alterar o MCI, o deputado federal Daniel Coelho (PSDB-PE), diz que “beira o absurdo completo ter a regulamentação de uma lei após dois anos de sua sanção”. Para ele, “não há justificativa para uma lei não ser regulamentada senão a vontade de não aplicá-la”.

Para Gabriel Sampaio, do Ministério da Justiça, o prazo de dois anos para a regulamentação do MCI, porém, respeita a complexidade do projeto, que surgiu de um artigo publicado pelo advogado Ronaldo Lemos, em 2007. “O MCI virou um monumento jurídico. O tempo de construção do decreto, bem como da lei, respeita isso, tendo ao final o produto de um amplo debate com a sociedade.”

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Diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro (ITS-Rio), Carlos Affonso Souza mantém o otimismo, considerando as quatro consultas públicas e que apenas agora o Marco Civil começa a formar sua jurisprudência. “É melhor a demora do que um decreto não discutido com a sociedade. É um sinal de respeito.” O pesquisador, porém, alerta sobre o risco de, antes de ser regulado, o MCI ser alterado por novos projetos de lei.

Ameaças. Quando fala em modificações, Souza se refere a alguns projetos de lei sugeridos no relatório da CPI dos Crimes Cibernéticos, apresentado no início de abril. Uma das propostas do texto do relatório, que deve ser votado quarta-feira, incluída por Daniel Coelho, prevê que autoridades de investigação – sem especificar quais – possam pedir às empresas de internet o endereço de IP dos usuários que gerarem conteúdo suspeito sem autorização judicial. A proposta vai na contramão do que defende o MCI, que diz que informações pessoais dos usuários só podem ser obtidas por autoridades mediante ordem judicial.

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Outras propostas do texto, que tem como relator o deputado Esperidião Amin (PP-SC), pedem que redes sociais retirem do ar conteúdos que difamem pessoas em até 48 horas, sem necessidade de ordem judicial, e direcionem para a Polícia Federal a investigação de qualquer crime cometido pela internet. “A CPI ouviu a sociedade, mas levou em conta apenas uma parcela dela”, reclama Luiz Fernando Moncau, gestor do Centro de Tecnologia e Sociedade, ligado à FGV-Rio. Para Moncau, dos 8 projetos sugeridos pela CPI, 6 ferem pontos centrais do Marco Civil. “Nesse caos político, há leis que podem avançar sem o devido debate público.”

Após a divulgação do texto inicial, o “pai” da World Wide Web, Tim Berners-Lee, se manifestou contra os projetos, alegando, por exemplo, que a identificação de pessoas via endereço IP sem mandado judicial pode ter “repercussões negativas para negócios e democracia”.

Com a repercussão negativa, os deputados recuaram: procurado pelo Estado, Daniel Coelho disse que vai mudar a proposta, pedindo agora alterações na Lei da Interceptação Telefônica. “No caso de acontecer um crime ou ameaça de crime na internet, só teremos uma investigação formal com o uso do IP após ordem judicial”, diz o deputado, que deve pedir a mudança no dia 27. Em seu site, Esperidião Amin também divulgou nota prometendo alterações no relatório final da CPI.

Souza, do ITS-Rio, ressalta que, mesmo com o relatório aprovado, os projetos ainda têm um longo caminho pelo Congresso. Para o pesquisador, a morosidade não reduz a importância do tema. “São projetos nascidos de um Congresso mais conservador, diferente do que aprovou o Marco Civil”, diz. “Se os textos são inadequados, é importante que sejam alterados ou excluídos agora.”

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