Mulheres enfrentam batalha para conseguir dinheiro para startups

Empreendedoras do Vale do Silício falam da dificuldade de conseguir financiamento em indústria dominada por homens e confirmam alertas feitos pela OCDE

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Por Bianca Lima
Atualização:
Melissa Gava​ éfundadora e CEO da Mediação Online, plataforma de resolução de conflitos jurídicos​ Foto: Sumit Kohli

A indiana Shanu Yadav teve apenas dois minutos para apresentar a sua startup a uma plateia de investidores na cosmopolita São Francisco, na Califórnia. Até aí, sem grandes novidades. Empreendedores estão acostumados a fazer o máximo com o mínimo de recursos. O problema é que o relógio parece funcionar de forma diferente para homens e mulheres no Vale do Silício - assim como muitas outras coisas.

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“Porque sou mulher e negra tenho de dizer a mesma coisa três vezes antes de um investidor começar a me ouvir”, afirma Shanu. Ela é fundadora da Rapa - startup sediada no Vale do Silício e especializada no mercado de crédito - e está lutando para levantar capital em uma indústria dominada por homens. “Se eu fosse um cara branco, com certeza já teria fechado a rodada de investimentos”, enfatiza. 

Um mestrado na conceituada universidade de Stanford e mais de dez anos de experiência no mercado financeiro dos Estados Unidos não foram capazes de mudar o cenário: “Tenho um sócio que é responsável pela parte técnica da empresa, enquanto eu sou a encarregada dos negócios. Então costumo ir às reuniões, mas percebi que quando ele fala com os investidores é muito mais fácil”. 

Dados globais mostram que Shanu não está sozinha. Um relatório da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) - grupo que reúne as nações mais industrializadas do mundo - revela que o acesso a financiamento é um dos principais desafios que as mulheres enfrentam ao tentar criar um negócio.

Segundo o relatório, pesquisas nos EUA mostram que os investidores são 60% mais propensos a dar dinheiro a homens empreendedores do que a mulheres - mesmo quando o conteúdo das apresentações é exatamente o mesmo. Não por acaso, em todos os 39 países listados pela OCDE, as taxas de empreendedorismo são menores para o sexo feminino e maiores para o masculino.

Em uma perspectiva global, o impacto é enorme: se o ‘gap’ entre gêneros no empreendedorismo fosse eliminado, o PIB mundial poderia crescer até 2%, ou US$ 1,5 trilhão, apontam estimativas do The Boston Consulting Group (BCG). 

Bandeira vermelha. Na vida real, as histórias são múltiplas e variadas. Cinco fundadoras de startups - de um total de seis entrevistadas durante evento em São Francisco - descreveram algum tipo de preconceito relacionado a gênero.

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A brasileira Melissa Gava, por exemplo, teve que parar de amamentar seu filho quando ele tinha seis meses de idade. O motivo? O prédio da aceleradora - onde costumava receber mentoria no Brasil - não permitia crianças.

“É um ambiente muito precário para mulheres”, afirma Melissa, que é fundadora e CEO da Mediação Online, plataforma de resolução de conflitos jurídicos que ela lançou poucos meses antes de engravidar. 

“Sei que o fato de eu ser CEO é uma bandeira vermelha para os investidores”, diz a empresária, que já foi aconselhada mais de uma vez a contratar um homem para a sua posição. Ela não seguiu as orientações. E agora - depois de captar investimentos nos EUA - pretende trazer três outras mulheres para o seu time de gerência.

Algo ainda incomum ao redor do mundo, alerta a OCDE. Dados de 2016 mostram que empreendedoras têm menos da metade da probabilidade dos homens de terem empregados.

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Apesar da enxurrada de acusações de assédio nos Estados Unidos, o sexismo muitas vezes se manifesta sutilmente no mundo empresarial. “Pode ser apenas uma questão de linguagem corporal”, diz a nigeriana Victoria Enwemadu, referindo-se a reuniões com investidores nas quais todos dirigem a palavra ao seu sócio... Um homem. 

Ela é a cofundadora da Fydor, uma empresa de biotecnologia especializada em diagnósticos de doenças tropicais, e também está lutando para levantar capital no Vale do Silício.

O dinheiro fala. Para fazer parte desse jogo do dinheiro, elas contam que são cobradas a se comportar como homens e a tolerar ambientes machistas. “O feedback que sempre recebemos é que precisamos ser mais agressivas e falar mais alto, enquanto os homens estão apenas falando normalmente e tudo bem”, afirma a indiana Yadav. “Os investidores não ouvem o que estamos dizendo, mas como estamos dizendo”.

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Também nascida na Índia, Charu Sharma tem a mesma preocupação: “Sou bastante confiante e ambiciosa, mas porque tenho uma fala suave as pessoas pensam que é falta de confiança”. Ela é fundadora da Next Play, plataforma online usada para engajar e reter talentos em empresas, e uma defensora de longa data das mulheres empreendedoras.

Em mercados emergentes, por exemplo, calcula-se que a extinção dessa diferença na concessão de crédito a homens e mulheres poderia produzir um aumento de 12% na renda per capita até 2030 - ganho que poderia chegar a 28% em países como o Brasil, segundo a OCDE.

A jornalista e empreendedora Ashwini Anburajan é enfática ao dizer que os investidores, em geral, têm atitudes completamente diferentes dependendo do sexo de quem está com o pires na mão: enquanto os homens geralmente recebem dinheiro com base em seu potencial, as mulheres precisam comprovar que já têm experiência e um bom desempenho no mercado. Relatório de 2011 da McKinsey apontou a mesma lógica para as promoções dentro das empresas dos Estados Unidos. 

Ashwini é fundadora da OpenUp, startup ligada ao setor publicitário, sediada no Vale do Silício.

Os efeitos práticos podem ser vistos na receita dos negócios. A disparidade entre os ganhos de homens e mulheres empreendedores era bastante expressiva na Polônia (60%), Estados Unidos (58%), Romênia (56%) e Itália (54%) em 2014 - a última atualização disponível. Não há dados atualizados para o Brasil. 

Essa diferença, porém, é atribuída pela OCDE a diversos fatores, como o fato de as mulheres tomarem menos riscos e serem mais propensas a trabalhar em setores altamente competitivos e menos rentáveis. 

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