Foram cerca de dois meses de negociações, mas não teve jeito: no próximo domingo, 20, os aplicativos chineses TikTok e WeChat vão deixar as lojas de aplicativos do Android e do iPhone nos Estados Unidos. Ontem, o Departamento de Comércio dos EUA anunciou a imposição de uma série de restrições contra as duas plataformas – na visão do governo americano, elas representam risco de segurança nacional para o país, porque podem ser usadas pelo Partido Comunista da China como veículos para obtenção de dados sigilosos.
Assim, por decreto, os apps terão de sair das lojas de aplicativos, o que significa que não será possível fazer novos downloads das plataformas.
"As ações de hoje provam mais uma vez que o presidente Donald Trump fará tudo ao seu alcance para garantir nossa segurança nacional e proteger os americanos das ameaças do Partido Comunista Chinês", disse Secretário de Comércio, Wilbur Ross, em comunicado."Sob a direção do presidente, tomamos medidas significativas para combater a coleta maliciosa de dados pessoais de cidadãos americanos pela China”, acrescentou. Desde o início do imbróglio, em julho, o governo americano não apresentou provas concretas da espionagem de Pequim nos dois apps.
A partir deste domingo, o WeChat também será completamente banido no território americano, com operadoras de internet proibidas de permitir seu funcionamento. É algo que deve afetar especialmente a colônia de imigrantes chineses no país – isso porque o WeChat é um dos principais aplicativos de mensagens na China, sendo um ponto de contato de quem mudou de país com seu lar.
“As restrições anunciadas são um infortúnio, mas vamos continuar a discutir com o governo americano uma forma de conseguir uma solução de longo prazo”, afirmou a Tencent, dona do WeChat, em comunicado. Antes de sair do ar, porém, o aplicativo teve uma alta de downloads ontem: foi um dos cem apps mais baixados nos EUA, segundo a consultoria Sensor Tower.
Já o TikTok, que pertence à startup Bytedance, terá regras mais suaves: o aplicativo terá até o dia 12 de novembro para firmar um acordo para a venda de suas operações nos EUA. Caso contrário, o aplicativo será descontinuado no território americano.
É uma transação cujo desenho é mais difícil do que parece: o negócio, que foi disputado por empresas como Oracle e Microsoft, precisa ser aprovado tanto nos Estados Unidos quanto na China. O problema é que as empresas americanas estariam interessadas em uma aquisição que inclua o algoritmo de recomendação da rede social de vídeos curtos.
É algo que Pequim não pretende abrir mão – nos últimos dias, chegaram a circular rumores de que o governo chinês preferia ver o aplicativo desativado em um de seus principais mercados. “A disputa entre os apps e os EUA é como um jogo de pôquer com apostas altas, mas o governo americano colocou os apps contra a parede com essa ordem”, diz Dan Ives, analista da corretora Wedbush Securities.
A resolução para a questão do TikTok também tem sido bastante criticada por analistas de segurança. Isso porque com a saída do TikTok das lojas de aplicativos neste domingo, mas com uso permitido até novembro, a Bytedance não poderá mais enviar atualizações de segurança para os usuários. Caso uma brecha que permita ataques hackers seja descoberta, será difícil resolvê-la de forma rápida sem o uso das lojas de aplicativos – e assim, ao tentar proteger os americanos, a medida do governo Trump pode deixá-los sem proteção.
Ao longo da última semana, a Bytedance e a Oracle tentaram negociar um acordo que pudesse garantir à Casa Branca o funcionamento de uma parceria – a empresa de Larry Ellison, veterana do mercado de software, faria o papel de cuidar da infraestrutura de nuvem e dos dados dos usuários do TikTok nos EUA, isolando a interferência de Pequim do app. No mercado, há quem veja a parceria como suspeita de favorecimento político, uma vez que Ellison é um raro executivo do Vale do Silício que é próximo ao presidente americano. A medida também beneficia outra empresa estratégica para Trump: o Facebook, que disputa o mercado de redes sociais com o TikTok.
Nesta sexta-feira, o candidato democrata à presidência Joe Biden disse que vê o TikTok como uma "questão de preocupação genuína" e prometeu revisar os riscos de segurança em torno do aplicativo, se eleito. "O TikTok tem acesso a mais de 100 milhões de jovens, principalmente nos Estados Unidos”, disse Biden a jornalistas em uma parada de campanha no Estado de Minnesota.
Movimento não agrada Instagram
Pelo Twitter, Adam Mosseri, presidente do Instagram, admitiu pela manhã desta sexta que o banimento do TikTok nos Estados Unidos não era um bom negócio para a rede de fotos que faz parte do Facebook. Segundo ele, o comportamento agressivo de países de eliminar "ameaças" não é benéfico para a internet.
Mosseri ainda lembrou que a maior parte do público do Instagram e "do crescimento potencial" da rede está fora dos Estados Unidos, e que seria prejudicial se eles próprios sofressem esse tipo de banimento em outros países.
Em resposta ao tuíte, Vanessa Pappas, chefe do TikTok nos EUA, pediu para que Facebook e Instagram os ajudassem a frear o movimento comandado por Trump. "Concordamos que esse tipo de proibição seria ruim para a indústria. Convidamos o Facebook e o Instagram a aderir publicamente ao nosso desafio e apoiar o nosso litígio. Este é um momento para deixar de lado nossa concorrência e focar em princípios fundamentais como liberdade de expressão e o devido processo legal", afirmou na rede social.
Fase dois
Não é a primeira vez que Trump ameaça empresas chinesas que ganham projeção global sob a lógica de “ameaça de segurança nacional”. Em 2019, ele proibiu companhias americanas de negociarem com a ZTE e a Huawei – esta última, além de fabricar smartphones, é considerada uma líder global em infraestrutura para a tecnologia do 5G, considerada estratégica para os próximos passos da economia global. Ao atrapalhar os planos da Huawei, Trump manter a soberania americana como potência tecnológica mundial, mesmo que não haja uma empresa de seu país pronta para disputar espaço com a chinesa.
O apetite do governo americano para investigar companhias chinesas, porém, não vai parar no TikTok: nesta quinta-feira, 17, uma reportagem da agência de notícias Bloomberg disse que os EUA estão investigando empresas que têm relação com a Tencent no mercado de games. É uma medida que pode afetar toda a indústria dos jogos eletrônicos: hoje, a chinesa é dona ou acionista de marcas como League of Legends, Call of Duty, Clash of Clans e Fortnite, populares no mundo todo.
De acordo com a reportagem, o Comitê de Investimento Estrangeiro nos Estados Unidos (CFIUS) enviou uma carta à Epic Games, de Fortnite, e à Riot Games, de League of Legends,perguntando sobre "seus protocolos de segurança no tratamento de dados pessoais dos americanos" — a companhia chinesa Tencent é dona da Riot Games e tem uma participação minoritária na Epic Games. Segundo a reportagem, a preocupação do governo dos Estados Unidos é de que as agências governamentais chinesas possam ter acesso a dados privados coletados por aplicativos em solo americano.