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Smartphone modular demora a sair do papel

Após anos de desenvolvimento da tecnologia, fabricantes começam a olhar para aparelhos modulares como estratégia para continuar a cativar consumidores; sucesso do formato – que enfrenta desafios de design e escala de produção – ainda é incerto

Por Thiago Sawada
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Na primeira vez que mostrou seu smartphone desmontável, cujos componentes são encaixados como peças de Lego, o Google entusiasmou os consumidores. Mas, passados três anos, as expectativas foram diminuindo, com a demora na chegada do aparelho – conhecido como Projeto Ara – ao mercado. O tempo mostrou que os desafios para desenvolver um celular “de montar” são maiores que os esperados. Só em maio de 2016, o gigante das buscas revelou um protótipo do aparelho e prometeu colocá-lo à venda no próximo ano.

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A ideia de criar um celular modular não nasceu no Google. Em meados de 2013, o desenvolvedor holandês Dave Hakkens criou a PhoneBlocks. O objetivo da empresa era fabricar um aparelho composto por uma espécie de chassi, que serviria de base para módulos de processador, câmera, bateria, entre outros. O projeto permitiria que, pela primeira vez, o consumidor personalizasse seu smartphone, de acordo com os recursos que valoriza, em vez de comprar um “pacote” pronto na loja. Além disso, Hakkens vislumbrou um futuro em que as pessoas só comprariam o smartphone uma vez, trocando apenas um ou outro módulo com defeito ou ultrapassado. O smartphone deixaria de “durar” apenas uns poucos anos.

O conceito inovador, contudo, esbarra em desafios que o impedem de prosperar. Até mesmo o Google, ao contrário do que previa quando apresentou o Ara, voltou atrás e disse que o aparelho não será completamente modular: ele virá com componentes predefinidos como processador, memória RAM, tela e bateria.

Nova perspectiva. Faz pouco tempo que o conceito modular entrou no radar dos grandes fabricantes de celulares. Desde que o celular foi inventado, a indústria como um todo só pensava em comprimir cada vez mais os componentes dentro do aparelho, num esforço para oferecer smartphones mais resistentes, finos, leves e elegantes.

A interface modular rompe com essa lógica e apresenta novos desafios para garantir que os aparelhos funcionem de forma adequada. “O fabricante precisa medir muito bem a quantidade de processamento e bateria que cada componente pode consumir”, diz o professor de comunicação digital da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), Eduardo Pellanda. Uma simples troca de câmera poderia exigir maior capacidade de processamento.

Outro problema é o ganho de escala, que permite oferecer smartphones a custos mais baixos. No caso dos aparelhos modulares, a fabricante teria que oferecer uma grande quantidade de opções de módulos para permitir a personalização, mas alguns deles podem se tornar muito caros se não houver demanda suficiente. 

Adaptação. As dificuldades estão fazendo algumas empresas a optar por um caminho intermediário. Em abril, a LG lançou o G5, um smartphone com uma base removível que permite ao usuário encaixar módulos que adicionam recursos extras ao aparelho, como uma câmera mais avançada que filma em 360 graus e alto-falantes mais potentes. Outra companhia que oferece essa possibilidade é a Lenovo. A empresa vai lançar em breve o Moto Z no País, que inclui módulos parecidos com uma capa protetora traseira. Ao serem encaixados, eles adicionam ao aparelho um projetor ou uma bateria extra.

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Segundo as empresas, a estratégia é oferecer, separadamente, recursos adicionais que não são essenciais para todos os consumidores, mas que podem atrair o interesse de uma parcela deles. “Não queremos trazer uma tecnologia que vai encarecer o produto para quem não vai precisar dela”, diz Renato Arradi, gerente de produtos de Mobile Business Group da Lenovo no Brasil.

O atual cenário também ajuda a explicar a estratégia dessas marcas. Depois de anos de crescimento nas vendas de smartphones no mundo – elas aumentaram 42,3%, em 2013, 28,4%, em 2014, e 14,4% no ano passado –, os fabricantes estão enfrentando a primeira desaceleração nas vendas. “Grandes fabricantes estão apostando em tecnologia modular, pois o mercado está em queda”, diz o analista de pesquisa da consultoria Gartner, Tuong Nguyen.

Durável. Enquanto grandes companhias apostam na oferta de acessórios extras, há startups que usam o conceito modular como forma de apenas estender a vida útil do aparelho e reduzir a quantidade de lixo eletrônico. É o caso da holandesa Fairphone, que lançou seu primeiro smartphone modular no final do ano passado. A empresa produziu 40 mil unidades e vendeu todas por € 530 (o equivalente a R$ 1.920). O interior do aparelho tem partes que podem ser substituídas: a empresa oferece seis módulos, que incluem tela, câmera e bateria e, até mesmo, antena. 

“Nosso objetivo é reinventar a estrutura dos celulares para que eles sejam mais fáceis de consertar e durem por mais tempo, gerando menos lixo eletrônico”, diz o diretor de comunicação da empresa, Fabian Hühne. Segundo relatório do Programa da Organização das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), divulgado em meados de 2015, o volume de resíduos eletrônicos descartados no mundo chega 41 milhões de toneladas por ano. O volume de eletrônicos descartados deve chegar a 50 milhões de toneladas em 2017.

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Oferecer aparelhos que vão continuar funcionando por um bom tempo antes de serem de serem deixados numa gaveta qualquer é também a meta da startup finlandesa Circular Devices. A empresa pretende lançar o PuzzlePhone no ano que vem, um celular dividido em três partes. O usuário compra o “corpo” do aparelho e dois módulos: um com processador, chip gráfico, memória e câmera; e outro com a bateria e outros componentes secundários. “Queremos que seja fácil aprimorar o hardware assim como acontece com o software”, diz o diretor de comunicação da PuzzlePhone, Juan Díaz.

Perspectivas. Seja pelo viés da customização ou da sustentabilidade, o sucesso dos smartphones modulares ainda é cercado de incertezas. “Os consumidores não estão buscando este tipo de solução”, diz Nguyen, da Gartner. Para ele, a abordagem de oferecer acessórios extras não vai convencer o público a trocar de aparelho.

Como este tipo de produto aponta para segmentos de nicho, o vice-presidente da consultoria Forrester, Frank Gillett, acredita que mesmo a abordagem ambiental não vai resultar em grandes impactos. “Os smartphones modulares não vão reduzir o volume de lixo, porque não devem se popularizar”, diz o executivo.

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Para especialistas, o conceito só vai ser relevante no mercado de smartphones no futuro, quando as diversas fabricantes adotarem um mesmo padrão para criação de módulos. 

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