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Polônia vira ‘nova Meca’ da produção de games

Usando elementos de sua cultura, país do Leste Europeu conquista público e crítica por jogos bonitos e inovadores

Por Bruno Capelas
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Havia um estranho no ninho no Game Awards – prêmio considerado o ‘Oscar dos games’ – de 2015. Entre velhos conhecidos, como o encanador bigodudo Mario e o velho combatente Snake, da série Metal Gear Solid, estava um bruxo polonês, mal-encarado e fã de bebidas fortes. Ele é Geralt de Rivia, o protagonista de The Witcher 3: Wild Hunt. Ao final da noite, o “forasteiro” levou a melhor: o jogo polonês foi consagrado como o melhor do ano. Sua produtora, a CD Projekt Red, foi escolhida como a desenvolvedora do ano – algo como fazer a dobradinha de melhor filme e diretor na premiação máxima do cinema.

Mas a vitória de Witcher 3 está longe de ser uma exceção: nos últimos anos, a Polônia tem ganhado cada vez mais espaço na cena dos games. Além do jogo da CD Projekt Red, títulos como Dying Light – que mistura parkour com zumbis – e This War of Mine – em que o jogador deve sobreviver como um civil durante uma guerra – têm conquistado fãs no mundo todo, por seus belos gráficos e propostas inovadoras.

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Atrás da cortina. Quem vê os tempos glamourosos do presente não imagina que os primórdios dos games no país do Leste Europeu têm origem na pirataria. Nos anos 80, quando os videogames se popularizaram como forma de entretenimento no mundo, a Polônia ainda era parte da Cortina de Ferro.

Sem receber os últimos lançamentos por conta do bloqueio comunista, os jovens poloneses da época se acostumaram a criar os próprios jogos para computadores pessoais como o MSX e o ZX Spectrum. Outra opção era “quebrar” os códigos de games estrangeiros, que chegavam ao país por contrabandistas russos, e adaptá-los para a língua local. “O bloqueio fez com que os poloneses começassem a desbravar o próprio caminho”, avalia André Pase, professor da PUC-RS. “Quando a Polônia se abriu ao capitalismo, eles perceberam seu potencial.”

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É o que explica Tymon Sketala, produtor na Techland, de títulos como Dying Light e Dead Island. “Há décadas não era fácil fazer jogos aqui. Só tínhamos a criatividade das pessoas que queriam fazer isso, mesmo com todos os fatores jogando contra”, diz. Com a abertura de mercado, as novidades começaram a chegar – e logo uma indústria local se formou para traduzir (legalmente, desta vez) e distribuir os jogos no país. “Nosso fundador começou como uma distribuidora para lojas em sua cidade natal. A demanda foi tão grande que nos tornamos distribuidores nacionais”, diz Sketala.

O mesmo aconteceu com a CD Projekt Red: “Nascemos como uma distribuidora, mas sempre quisemos fazer jogos e não apenas distribui-los”, conta Konrad Tomaszkiewicz, diretor da empresa The Witcher, que passou a ser contratada por grupos estrangeiros para desenvolver pequenas partes de jogos.

Ao ter um de seus projetos cancelados – a versão para PCs do jogo de fantasia Baldur’s Gate: Dark Alliance, lançado em 2001–, a CD Projekt Red acabou usando o que já havia desenvolvido para fazer o primeiro The Witcher, baseado num romance do polonês Andrzej Sapkowski. “Foi uma escolha natural: na Polônia, Sapkowski é tão grande quanto Tolkien”, diz Tomaszkiewicz, mencionando o autor de O Senhor dos Anéis.

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Receita. A ênfase na cultura local é uma das razões para o sucesso: cada jogo produzido por lá têm apelo universal, mas com um tempero tão polonês quanto a páprica usada em pratos típicos como o goulash. É o caso do romance em que se baseou The Witcher, inspirado em lendas eslavas, mas também na relação com a guerra que existe em This War of Mine, da 11bit Studios. “Estamos lutando com nossos vizinhos há mais de mil anos. Às vezes, são os russos, às vezes são os alemães. É o tipo de coisa que nos moldou”, diz Karol Zajaczkowksi, produtor do jogo. “No entanto, para vencer globalmente, você tem de traduzir o jogo para uma linguagem universal. Esse foi nosso principal trabalho.”

O contato entre os estúdios é outro fator que auxilia os poloneses: ao contrário de países com cultura de produção de games estabelecida, como EUA e Japão, a cooperação impera no Leste Europeu. Há um forte intercâmbio entre os profissionais do país – Zajaczkowski, por exemplo, trabalhou nos dois primeiros The Witcher antes de ir para a 11bit. “Todos se conhecem e, em vez de competir, preferimos sair juntos, beber cervejas e ajudar uns aos outros”, diz o produtor de This War of Mine.

 

Segundo dados da consultoria Newzoo, o mercado de games polonês faturou cerca de US$ 300 milhões em 2014 – os dados do ano passado, que incluiriam as vendas de Witcher 3 e Dying Light, ainda não foram anunciados. No Brasil, o jogo da CD Projekt foi o nono jogo mais vendido em 2015, mesmo com preço de R$ 230 – alto para a média nacional. “É um jogo que não termina, gigantesco, mas que prendeu o público e, por isso, se manteve em alta. É um caso de sucesso a ser estudado”, avalia Oliver Roemerscheidt, diretor de tecnologia da consultoria GfK no Brasil.

Lições. Para especialistas, a Polônia tem muito a ensinar aos desenvolvedores de jogos brasileiros, que começam a lançar seus primeiros games para consoles. “Os produtores brasileiros podem aprender com a persistência de décadas dos poloneses”, diz André Pase, professor da PUC-RS.

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Para Karol Zajaczkowksi, de This War of Mine, o Brasil está no caminho certo. “Vocês estão melhor do que nós há 20 anos: hoje há ferramentas gratuitas para desenvolvimento, internet, lojas digitais. Façam bom uso disso.” Já Tomaszkiewicz, da CD Projekt Red, é mais objetivo. “Só tenho um conselho para quem quer criar jogos: comece agora. É errando que você vai aprender e crescer, como nós.”

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