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Jornalista, escritor e palestrante. Escreve às quintas

Opinião|A CPMI e o ódio derramado

Investigar as fake news não se limita a descobrir quem as produz; o maior problema é uma classe política que trabalha duramente para dividir brasileiros e semear confusão para, assim, ganhar poder

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O vereador Carlos Bolsonaro, responsável pela campanha do presidente (e pai) Jair Bolsonaro Foto: Dida Sampaio/Estadao

É bom que exista uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito com foco em fake news. É curioso que a bancada governista, os filhos do presidente inclusos, estejam na luta contra a investigação. (Curioso, não surpreendente.) Mas não custa perguntar quão séria é a convicção de deputados e senadores de que o problema é realmente grave. Ou quão dispostos estão para enfrentar a questão e tratar dela com franqueza.

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Porque investigar as fake news não se limita a descobrir quem as produz. A convocação do vereador licenciado Carlos Bolsonaro, se de fato for tocada, produzirá um espetáculo com muitos clipes que circularão pelas redes cuidadosamente editados para favorecer um lado ou outro. Em sua entrevista ao Roda Viva, o deputado Alexandre Frota, que migrou do PSL ao PSDB, admitiu que sabia da existência de uma fábrica de notícias falsas.

Para qualquer observador minimamente atento das redes, é mais que evidente se tratar de um trabalho profissional, vasto e multipartidário. Algo acontece e em menos de hora as versões, os cortes, as distorções, já estão todas circulando de WhatsApp para Twitter, de Twitter para Facebook, e de volta ao Zap num círculo contínuo. Identificar produtores pode servir ao jogo político de apontar o dedo e dizer ‘foi você’. Mas não encara o problema maior.

O problema maior começa no hábito adquirido por governantes, desde princípios do século 21, de atacar a imprensa. O objetivo é estratégico. O lugar tradicional da imprensa numa democracia é o de observador externo do Poder. Políticos de direita e esquerda, no mundo, estão há mais de década acusando jornalistas e veículos de estarem na verdade engajados no jogo de disputa do poder. Ao impor confusão onde não devia haver, abrem espaço para a dúvida e a incerteza, o caldo de cultura perfeito para que mentiras se espalhem.

Com todos seus defeitos, e são muitos, o PT jamais pressionou a democracia no nível que faz o governo Bolsonaro. Mas a ‘extrema imprensa’ dos bolsonaristas é prima-irmã da ‘imprensa golpista’ petista. É uma operação contra a democracia por minar um de seus alicerces.

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Não para aí. Quando o jogo político abandona as grandes questões de Estado e concentra sua atenção na vigília do comportamento, a política se torna um jogo ainda mais emocional do que já é naturalmente. Jogue-se na equação algoritmos de redes sociais, que privilegiam a distribuição daquilo que provoca reações guturais, e o espaço para uma população polarizada está criado.

Uma pesquisa do Ipsos, divulgada em abril, revelou que 32% dos brasileiros consideram inútil conversar com quem pensa diferentemente. 40% afirmam se sentir confortáveis com quem pensa igual. 31% consideram que quem pensa de outro jeito na verdade não liga para o futuro do país. O Brasil está acima da média dos 27 países onde a pesquisa sobre polarização foi realizada. Que ruim.

É quem considera ter problema de caráter aqueles que pensam de outra forma que está mais susceptível a acreditar e passar adiante notícias falsas. É a turma doida para ter indícios nas mãos para provar estar certo. Cada notícia falsa distribuída carrega consigo uma mensagem: ‘olha como estou certo’.

Será preciso regular as gigantes do Vale, impor-lhes pesadas multas para que contenham o problema e priorizem o Brasil no combate às fake news. Mas o maior problema não são elas. Tampouco são os produtores de fake news. O maior problema é uma classe política que trabalha duramente para dividir brasileiros e semear confusão para, assim, ganhar poder.

Basta olhar em volta: a estratégia funciona. Mesmo que deixe o país numa tensão à flor da pele, com ódio derramado aos galões pelas ruas.

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