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Jornalista, escritor e palestrante. Escreve às quintas

Opinião|A internet no modelo TV a cabo

Nos EUA, a neutralidade acabou. Ou quase. Vem aí uma extensa briga judicial.

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Atualização:
O presidente da FCC, Ajit Pai, que conduziu a votação sobre o fim daneutralidade da rede nos EUA 

O diretor da FCC, equivalente americano à Anatel, liderou ontem uma votação que desregulamentou o serviço de provimento de internet. A partir do projeto de Ajit Pai, que venceu no conselho da agência por 3 votos a 2, empresas que vendem acesso a banda larga poderão bloquear sites online se o desejarem e cobrar a mais por determinados serviços. Pacotes que levam umas coisas, mas não outras, tão comuns na TV paga, passam a ser legais. É o fim, nos EUA, do que se convencionou chamar neutralidade de rede. Ou seja, deixa de ser obrigatório vender acesso à toda internet.

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É, no mínimo, uma decisão polêmica.

Pai, um advogado indiano-americano de 44 anos, começou a carreira no Departamento de Justiça, equivalente ao nosso ministério, onde trabalhava no setor que analisava a legalidade de fusões, incorporações e outros negócios no ramo de telecom. Tendo passado um bom tempo nas entranhas do governo, migrou para uma das empresas que vigiava, a Verizon, onde foi dirigir o jurídico. E de lá, em 2011, seguiu para a agência reguladora indicado pelo Partido Republicano. Assumiu seu comando em janeiro, indicado por Donald Trump.

Mas não dá para dizer que sua decisão seja apenas de ordem ideológica. Neutralidade de rede é um tema espinhoso. Pouca gente o compreende e, entre os entendidos, o assunto rende debates inflamados. Por ser complexo, é difícil aferir a opinião pública.  Uma pesquisa recente do Washington Post, porém, após breve explicação do conceito, aferiu que 83% dos americanos gostam da ideia de que as empresas que vendem banda larga não deveriam repetir o modelo horroroso da TV a cabo. Aliás, isto vale até para eleitores republicanos: 3 em cada 4 não compram a tese de que se trata simplesmente de uma questão de livre mercado. É, isto sim, garantia de um serviço essencial mínimo.

Ainda na quarta-feira, dois senadores — incluindo a republicana Susan Collins, do Maine — enviaram um pedido de última hora implorando a Pai que adiasse a votação para que alguns pontos fossem esclarecidos. O diretor de tecnologia da FCC, Eric Burger, enviou uma carta interna questionando o texto final, que ambiguidamente permitiria aos serviços de banda larga literalmente bloquear sites ou páginas que desejem.

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Ainda assim, Ajit Pai tem alguns argumentos relevantes. Em seu discurso pós-vitória, ele lembrou que esta não pode ser vista como uma luta de pequenos indefesos contra empresas gigantes. Afinal, todas as gigantes do Vale do Silício — incluindo Apple, Google, Facebook, Amazon e Netflix — fizeram extensa campanha a favor da neutralidade. E estas são, em geral, empresas bem maiores e poderosas do que as que vendem banda larga.

Sua provocação foi mais a fundo: aponta hipocrisia. O Twitter não permitiu que uma candidata ao Senado da direita radical, Marsha Blackburn, exibisse seu discurso no serviço. Considerou-o inflamatório. A Apple removeu de sua loja, recentemente, um app da revista Cigar Aficionado, voltada para fumantes de charuto. Diz que o estímulo ao tabagismo não está de acordo com os valores da empresa. Ou seja: enquanto no Vale questionam a possibilidade de censura dos provedores de acesso, eles próprios a praticam.

São excelentes jabs. Mas não custa lembrar. Se o Twitter não exibe o discurso, ele estará em outro site. Se o puritanismo da Apple incomoda, basta migrar para Android. Se o provedor de acesso bloqueia, não tem jeito. E, em muitas regiões, tal qual no Brasil, em geral só uma empresa oferece o serviço. Ou seja: o consumidor fica sem escolha.

Nos EUA, a neutralidade acabou. Ou quase. Vem aí uma extensa briga judicial.

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